segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Caindo a ficha

- Por favor, gostaria de uma ligação a cobrar para Ijuí.
- Qual o número?
- Número tal.
- Com quem quer falar?
- Com Lurdes.
- E quem vai falar?
- Marcos.
- Um momentinho, senhor Marcos.
Muitos momentinhos de espera depois, escuta-se a telefonista entabular conversação com a pessoa do lado de lá da linha:
- Ligação a cobrar de Santa Maria, por parte do senhor Marcos, para Lurdes. A senhora aceita a ligação?
- Sim, pode completar.
- Senhor Marcos, pode falar.
- Oi, mãe. Sou eu. Tudo bem por aí?
Pois é, era assim, no final dos anos 80, esse suplício todo para um estudante universitário desprovido de telefone fixo e nem sonhando com a invenção de celulares, conseguir falar, uma vez por semana, com a sua família na cidade-natal, para dar e receber notícias. Faziam-se filas homéricas junto aos orelhões (tradução simultânea = “telefones públicos”) para pacientemente aguardar a sua vez de matar a saudade da voz materna, ouvir notícias de todos, fazer encomendas, narrar novidades. As filas demoravam, dependendo do dia, mais de hora, e escutava-se as conversas alheias, fazia-se novas amizades, lia-se, estudava-se.
Notícias urgentes e importantes vinham mesmo era por telegrama. Assuntos a serem tratados mais longamente chegavam e eram enviados por cartas via correio ou pelas mãos de colegas e amigos que viajassem mais amiúde para a mesma cidade. Comunicar-se à distância era bem mais difícil, demandava mais tempo e maiores esforços do que hoje. Isso, apenas um par de décadas atrás, ou até menos.
Hoje, isso tudo é bem mais fácil. A profusão de parafernálias facilitadoras da comunicação entre as pessoas impede que qualquer um exerça a vocação para ermitão. Não tem como não ser achado e contatado. É quase impossível não localizar alguém com quem se precise ou com quem se queira falar. Difícil mesmo começa a ser encontrar, em meio a tantas facilidades, quem tenha o que dizer de útil e aproveitável via celular, telefone, e-mail, twitter, blog, MSN, torpedo, orkut etc etc.
Não precisamos mais rachar lenha para assar lasanha em casa; não precisamos mais ordenhar a vaquinha para beber o leitinho no café da manhã; não precisamos mais datilografar carta e levá-la até o correio para nos comunicarmos com alguém lá no Japão. Tudo isso agora pode ser feito quase que instantaneamente. Temos tempo de sobra, hoje em dia. Problema é que, agora, sobra tempo mesmo é para sermos desinteressantes.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 24 de junho de 2010)

4 comentários:

Página Virada disse...

Oi Marcos!

Como você escreveu, o problema é que "sobra tempo mesmo é para sermos desinteressantes". Nunca se discutiu tanto o que se come no almoço, a nova roupa, a viagem das férias, a briga com o vizinho, as fofocas da turma, etc e tal. Como se perde tempo com bobagens!

Um abraço
Guilherme

marcos fernando kirst disse...

Ola, Guilherme:
Pois é isso aí, as pessoas esquecem de cultivar melhor seus universos interiores. Fazeroque....
Um abraço!
Marcos K

Juliana disse...

Oi, Marcos!
Num país (ou num mundo?) que prioriza a embalagem ao conteúdo, falares em universo interior vai fazer o povo imaginar a vidinha lá em Porambinha do Norte, e nada mais. Abraço, boa semana!

marcos fernando kirst disse...

Hahahahaha! Nao tinha pensado nisso, Juliana! A piada foi ótima. Minha sorte é que a maioria de meus leitores possui essa vida interior de que falamos e conseguem ir além de Porambinha.... rsrsrsr