sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Como encarar 2012

Vou logo avisando: este é um texto de autoajuda. De autoajuda econômica, para ser mais específico. É que decidi auxiliar você, caro leitor, a organizar suas finanças no vindouro ano de 2012. Estou exercitando minha generosidade como uma das metas pessoais que deveria cumprir em 2011, e nunca é tarde para começar, nem que seja no dia 30 de dezembro. Vamos lá.
Partamos do princípio de que você é um cidadão plenamente inserido no sistema em que vive, ajustado e obediente às demandas impostas pela mídia e pela sociedade de consumo. Concordemos que você é, caro leitor, antes e acima de tudo, um CONSUMIDOR, muito mais do que um cidadão, um pai (mãe) de família, um ser humano pleno, um estudante, um profissional etc. O que importa mesmo é que você está sempre pronto a atender aos apelos de consumo que invadem a sua vida por todos os lados, por todos os meios.
Você não está em busca de qualidade de vida. Você está, sim, em busca de acúmulo de bens de consumo, imaginando que é por meio desse expediente que obterá qualidade de vida, correto? Você PRECISA de um novo modelo de automóvel, de mais de um automóvel, trocar seu aparelho celular, trocar os aparelhos celulares de sua família, comprar uma televisão maior, comprar mais televisões, comprar um tablet, comprar outro tablet mais moderno, comprar, comprar, comprar... Para isso, claro, precisa aumentar os turnos de trabalho, fazer hora extra, adotar dupla jornada, fazer entrar mais dinheiro para que seja possível deixar sair mais dinheiro, para assim dar no bico do seu vizinho e nos bicos da família toda.
Portanto, anote já todas as datas em que terá de adquirir presentes, para mostrar que você também é um cidadão de bem que gasta dinheiro como forma de expressar seus sentimentos, para depois não se surpreender desprovido de reservas na hora H: Dia das Mães, Dia dos Pais, Dia das Crianças, Páscoa, Dia dos Namorados, Halloween, Natal, Ano Novo, aniversários em geral e amigos secretos. Feito isso, estrebuche-se trabalhando e fazendo dinheiro, para poder gastar bastante, ter e dar muitas coisas e ser um pleno cidadão do século 21.
Eu falei em texto de autoajuda. Não falei em dicas para a felicidade.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 30 de dezembro de 2012)

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Goleada didática

Muito se falou, ao longo desta semana, sobre uma suposta “aula de futebol” que o time do Santos – e por tabela todo o Brasil – teria recebido em campo do Barcelona, no último domingo, na partida decisiva pelo Mundial de Clubes da Fifa, disputada no Japão. Após definir o placar em quatro a zero a seu favor (e poderia ter sido mais, como todos os que assistiram à partida, como eu, perceberam), o Barcelona levou o título e os aplausos pela qualidade do espetáculo futebolístico apresentado.
Mas o que aconteceu naquela manhã de domingo foi, em termos de futebol, apenas isso: um espetáculo. Em momento algum houve ali uma “aula” de futebol. O Brasil, leitores, convenhamos, não precisa de nenhuma “aula de futebol”. Isso é um daqueles jargões de efeito que um comentarista televisivo expele no calor do momento e, devido à criatividade intrínseca, logo se transforma em mantra repetido a torto e a direito, de norte a sul, sem nenhum pingo de reflexão. Reflitamos, então, agora, um pouco.
O Brasil não precisa de “aula de futebol”. Leva-se a sério o futebol neste país há mais de um século. Existem agremiações profissionais dedicadas à prática, ao ensino, ao treino, ao cultivo e à formação de jogadores no nobre esporte bretão em nosso país tropical e lindo por natureza desde a alvorada do século passado. Somos detentores de cinco títulos mundiais, marca até agora inigualada por ninguém outro no planeta, e a qualidade dos jogadores com RG brasileiro é cobiçada e reconhecida nos quatro continentes. Não precisamos de “aula de futebol”.
Precisamos, sim, é da verdadeira lição que o Barcelona deu em campo a todo o Brasil na manhã do último domingo. Que foi, em resumo, uma aula completa de profissionalismo, de seriedade, de comprometimento, de envolvimento, de trabalho em conjunto, de cidadania, de proatividade, de humildade, de foco, de abnegação, de método, de maturidade. Essa foi a verdadeira lição, e não poderia ser diferente, uma vez que, como também se repete à exaustão por aqui, “o futebol imita a vida”. O furo foi bem mais embaixo, senhoras e senhores. Precisamos abrir os olhos e perceber que nós, brasileiros, andamos levando goleada do mundo em muitos aspectos. Até no futebol.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 23 de dezembro de 2011)

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

A Era das Laranjas de Amostra

Deve-se julgar um livro pela capa? Até que ponto o invólucro gráfico utilizado para embalar e apresentar de forma atraente o produto livro ao consumidor tem influência no momento da decisão de adquirir a obra, levá-la para casa e começar a lê-la? A julgar pela importância que as editoras do mundo inteiro vêm dedicando à qualidade artística de toda a parafernália que acompanha e antecede o folhear da primeira página do texto propriamente dito, a resposta é sim, os leitores modernos são altamente influenciáveis pelos atrativos estéticos visuais que envolvem as obras literárias. Uma capa bonita, em uma edição com orelhas atraentes e contracapa apresentando excertos de críticas laudatórias ao livro publicadas em veículos de imprensa renomados são expedientes seguros para garantir uma boa performance do título nas prateleiras das livrarias.
O fenômeno não é motivo de espanto, especialmente para quem tem consciência de estar vivendo em uma era em que o poder do apelo superficial do visual é a tônica que rege os estímulos de consumo da opressora maioria da população humana espalhada pela superfície do planeta. Quando se trata de pesar na balança os elementos “forma” versus “conteúdo”, o primeiro, infelizmente, anda levando desmesurada vantagem, e não é de hoje. O escritor que simplesmente aposta todas as fichas no sucesso de sua obra pelo simples fato de acreditar ser dono de um bom texto e desempenhar com competência e criatividade a condução narrativa está fadado a sucumbir à realidade dos fatos ditados pelas (rasas) exigências do público moderno. Será pouco lido, quando não simplesmente ignorado pelas massas, para seu desespero e frustração.
Paralelamente a isso, registra-se no meio literário outro fenômeno que vem chamando a atenção dos especialistas em literatura e teoria literária, como a pesquisadora gaúcha Lígia Cademartori recentemente explanou em Caxias do Sul, quando veio participar do I Seminário Internacional de Língua, Literatura e Produtos Culturais, promovido pela Universidade de Caxias do Sul. Conforme a estudiosa, não basta mais apenas apostar no luxo da edição, bem como na ampla divulgação do livro em todos os meios de comunicação de massa para obter uma boa performance no meio literário nos dias de hoje. Para alcançar o reconhecimento e o sucesso, é preciso que o escritor também se transforme, ele mesmo, em um showman, com desenvoltura capaz de arrebanhar atenções e (consequentemente) leitores por meio de palestras, bate-papos, entrevistas, presença em eventos sociais e assim por diante. Nas palavras dela, é preciso fazer “um pacto com a mídia” para sair do anonimato e conseguir um lugar ao sol no disputadíssimo mercado editorial da atualidade.
Ou seja: apenas escrever bem já não basta mais. E também não significa que quem canta e rebola – e por isso mesmo obtém espaço – é detentor das mais altas qualidades literárias. Tudo depende de um encaixe perfeito entre as peças do jogo de mercado que, na maioria das vezes, é injusto para com os quesitos qualidade, arte, competência, conteúdo. Como em tudo, aliás.
De minha parte, continuo julgando um livro pela qualidade de seu texto. Sigo sendo seduzido pelas arrebatadoras frases iniciais de excelentes obras literárias, que me acompanham por toda a eternidade de minha existência enquanto ela durar. A edição em que li a abertura de “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel García Márquez, é uma brochura horrorosa pertencente a uma coleçãozinha barata com uma capa cuja arte é repugnante. Guardo até hoje a edição ordinária, que resguarda em si o teor de um dos mais belos livros já escritos, iniciado com as seguintes palavras: “Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou a conhecer o gelo”.
Julgasse eu o livro pela capa, teria torcido o nariz para um diamante.
(Texto publicado na seção "Planeta Livro" da revista Acontece Sul, edição de dezembro de 2011)

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Palmas aos pinguins



Entre as 70 mil pessoas que circularam pelos superpopulacionados corredores do Shopping Iguatemi no domingo do dia 11 deste mês, em busca de presentes natalinos, figurávamos eu e minha esposa. Ela, estupefaciadamente cortejando vitrines. Eu, exasperadamente desviando de cotovelos. O resultado obtido após duas horas de permanência dentro do templo erigido ao Deus Consumo foi tão esperado quanto diverso: ela, plena de satisfação, carregando pacotes de regalos; eu, repleto de hematomas físicos e psicológicos decorrentes de minha fobia a multidões (só tolero aglomerações humanas quando em shows de rock protagonizados por ex-beatles e em manifestações por eleições diretas para presidente da República).
Cumprida a inevitável, anual e decembrina tarefa, lancei-me no sofá da sala pretendendo liberar ali aos poucos a carga psíquica que me atormentava quando fui informado por ela da situação: somente metade da lista de presentes havia sido solucionada. Precisávamos, portanto, empreender nova ida ao templo, a fim de completar a incumbência natalina. Gelei mais que a cerveja.
Felizmente, conseguimos organizar nossas agendas a ponto de efetivarmos o retorno ao shopping na manhã da quarta-feira seguinte, quando minhas previsões se confirmaram: corredores repletos de espaços vazios, lojas ocupadas só por gerentes e atendentes, muito ar para respirar. Chegamos às dez horas em ponto e presenciamos o abrir das portas do local, sendo os primeiros a ingressar por aquela entrada. Na área em que figuram a árvore de Natal e a decoração repleta de bonecos, fomos surpreendidos, em nossa caminhada rumo aos presentes faltantes, pelo início de uma canção natalina entoada por um coro de simpáticos pinguins cantantes, animada pelas brincadeiras de papais noéis com ursos polares que agitam o pedaço ao som de “Noite Feliz”.
No shopping ainda vazio, éramos, nós dois, a única esperança de plateia para aquela generosa apresentação exclusiva protagonizada por máquinas pré-programadas. Decidimos parar e apreciar o show até o final, para não desapontar pinguins, ursos e papais noéis tão simpáticos. Deve ter sido um rasgo de espírito natalino que esvoaçou sobre nós naquele instante. Só pode.



(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 16 de dezembro de 2011)

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Caindo a ficha

- Por favor, gostaria de uma ligação a cobrar para Ijuí.
- Qual o número?
- Número tal.
- Com quem quer falar?
- Com Lurdes.
- E quem vai falar?
- Marcos.
- Um momentinho, senhor Marcos.
Muitos momentinhos de espera depois, escuta-se a telefonista entabular conversação com a pessoa do lado de lá da linha:
- Ligação a cobrar de Santa Maria, por parte do senhor Marcos, para Lurdes. A senhora aceita a ligação?
- Sim, pode completar.
- Senhor Marcos, pode falar.
- Oi, mãe. Sou eu. Tudo bem por aí?
Pois é, era assim, no final dos anos 80, esse suplício todo para um estudante universitário desprovido de telefone fixo e nem sonhando com a invenção de celulares, conseguir falar, uma vez por semana, com a sua família na cidade-natal, para dar e receber notícias. Faziam-se filas homéricas junto aos orelhões (tradução simultânea = “telefones públicos”) para pacientemente aguardar a sua vez de matar a saudade da voz materna, ouvir notícias de todos, fazer encomendas, narrar novidades. As filas demoravam, dependendo do dia, mais de hora, e escutava-se as conversas alheias, fazia-se novas amizades, lia-se, estudava-se.
Notícias urgentes e importantes vinham mesmo era por telegrama. Assuntos a serem tratados mais longamente chegavam e eram enviados por cartas via correio ou pelas mãos de colegas e amigos que viajassem mais amiúde para a mesma cidade. Comunicar-se à distância era bem mais difícil, demandava mais tempo e maiores esforços do que hoje. Isso, apenas um par de décadas atrás, ou até menos.
Hoje, isso tudo é bem mais fácil. A profusão de parafernálias facilitadoras da comunicação entre as pessoas impede que qualquer um exerça a vocação para ermitão. Não tem como não ser achado e contatado. É quase impossível não localizar alguém com quem se precise ou com quem se queira falar. Difícil mesmo começa a ser encontrar, em meio a tantas facilidades, quem tenha o que dizer de útil e aproveitável via celular, telefone, e-mail, twitter, blog, MSN, torpedo, orkut etc etc.
Não precisamos mais rachar lenha para assar lasanha em casa; não precisamos mais ordenhar a vaquinha para beber o leitinho no café da manhã; não precisamos mais datilografar carta e levá-la até o correio para nos comunicarmos com alguém lá no Japão. Tudo isso agora pode ser feito quase que instantaneamente. Temos tempo de sobra, hoje em dia. Problema é que, agora, sobra tempo mesmo é para sermos desinteressantes.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 24 de junho de 2010)

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Incômodas entrelinhas

Já comentei aqui algumas vezes a existência daquele grupo de velhinhas que se reúnem às sextas-feiras à tarde para tomar chá, mordiscar biscoitos de água e sal e ler as minhas colunas, nas quais não conseguem encontrar gosto algum, classificando-as como normalmente mais insossas do que as bolachinhas, quando não, odiosas (minhas crônicas, não as bolachinhas). Elas sentem-se desrespeitadas pela minha recorrente construção de parágrafos intermináveis, como o do período anterior, a lhes exigir um fôlego de leitura incompatível com a longevidade que as caracteriza.
Tenho tentado (bem pouco, confesso) corrigir essa minha falha de estilo, decorrência direta de meu caráter tergiversante, policiando o andamento dessas frases quilométricas que mais parecem estar se preparando para uma maratona do que desenvolvendo uma ideia literária, mas nem sempre consigo cercear o empilhamento de intercalações virguladas a tempo de encerrar mais cedo as sentenças, desperdiçando antiecologicamente as vírgulas e perpetuando uma economia injustificável de pontos finais, como isso agora, que viciadamente acabo de estender até o limite do gás vital. É como se as frases tomassem fermento após a letra maiúscula e fossem crescendo desmesuradamente até abatumarem a palavrança toda lá no longínquo ponto final. Que horror, isso!
Mas as minhas desafetas de carteirinha informam, na última missiva, que descobriram outro motivo para odiarem os textos de minha autoria. Trata-se do excesso de entrelinhas, de camadas de leitura, que camuflam duplos sentidos em temas e situações aparentemente banais, mas que, para o leitor mais atento, sugerem reflexões acuradas sobre o cotidiano e escapam ao alcance do grau dos óculos que elas andam usando para ler-me. Resumindo: elas me querem mais curto e mais grosso. Odeiam serem obrigadas a abrir a despensa de suas almas em busca da geleia com a qual poderiam avivar o conteúdo de textos aparentemente indeglutíveis. Elas já fazem isso com as bolachinhas de água e sal, e lhes é o bastante. De resto, que tudo lhes chegue já mastigado, a começar pelos meus escritos.
Mas por que elas simplesmente não trocam de marca de bolacha?
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 9 de dezembro de 2011)

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Espírito natalino, ou...?

Vários são os indícios diários que me chegam incumbidos da missão de me conscientizar de que eu sou mesmo um cidadão do século passado. Nos meus tempos de criança e adolescência, lá nos anos 60 e 70, Papai Noel era uma criatura que tirava a barba de molho só às vésperas do Natal.
Saíamos a passear em família a pé pelas calçadas das ruas centrais, à noite, para maravilhar os olhos com as decorações natalinas das vitrines das lojas e tomar sorvete. O espírito natalino ia invadindo lentamente nossos corações, de mansinho, gerando uma expectativa pulsante que atingia um ápice dois ou três dias antes de 25 de dezembro, quando ainda utilizava-se (ecologicamente incorretos) pinheirinhos de verdade na sala a fim de serem enfeitados para abrigar os presentes que seguramente apareceriam, independentemente das eventuais traquinagens que havíamos prometido nunca mais repetir.
Isso, naqueles tempos de antanho. Hoje, confesso que fico um pouco chocado quando trafego pelas ruas da cidade e detecto residências ornamentadas com luzinhas piscantes e papais noéis dependurados nas sacadas desde o dia primeiro de novembro, mais de 50 dias antes da celebração natalina. Não consigo evitar o fato de ser assolado pela sensação de que uma incômoda dose de exagero parece reger essa necessidade competitiva de ser o primeiro da rua a ostentar a entrada no espírito natalino.
Tudo bem que o comércio inicie suas campanhas de vendas focadas na data com antecedência, afinal, os dias andam mesmo competitivos e é preciso fisgar a clientela o mais cedo possível, sob pena de perdê-la para a concorrência. Mas é preciso mergulharmos também nós, cidadãos comuns, nesse espírito competitivo? O espírito não era para ser o natalino? Fica sempre me parecendo que tudo aquilo que extrapola os limites do bom senso e da normalidade acaba correndo o risco de promover um esvaziamento dos significados que deveriam estar contidos nos símbolos com os quais lidamos.
Natal, para mim, que sou do século passado, ainda é em 25 de dezembro, e significa bem mais do que ter a porta da casa ornamentada por 60 dias. Se bem que, ano que vem, cravarei um Papai Noel na sacada ainda em 8 de julho. Duvidam?
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 3 de dezembro de 2011)