Bioy e Iggy, exercitando a arte da amizade felina
O décimo-segundo degrau da escada, o pufe alaranjado, a caixa repleta de
exemplares de meu livro “Dois Passos Antes da Esquina”, o alto do roupeiro, o
tampo da máquina de lavar roupas e o meu colo sempre que está dando sopa são os
lugares da casa que, por usucapião, pertencem a Bioy, o gato que vive conosco.
À medida que avançam as horas do dia, ele vai revezando o leito para seu
insaciável sono entre esses diferentes locais, sem maiores variações, uma vez
que, a exemplo do dono (se é que gatos admitem donos), transformou-se em um
verdadeiro “homem de hábitos fixos”.
Dia desses, no entanto, sua mansa rotina foi súbita e profundamente
alterada com a chegada de Iggy, um majestoso gato da raça chartreaux,
pertencente (se é que gatos admitem pertencer) a um amigo que precisava viajar
ao exterior durante um mês e meio. “Uma pata lava a outra”, havíamos anteriormente
acertado entre nós (eu, o pseudo-dono de Bioy e ele, o pseudo-proprietário de
Iggy), julgando ser apropriado deixarmos nossos felinos a serem cuidados por
também apreciadores de gatos quando da necessidade de ausências prolongadas.
Nem Iggy nem Bioy foram consultados a respeito dessa decisão e tiveram de se
adequar à situação
Mas a desconfiança mútua inicial logo se transformou em amizade,
especialmente devido à inesperada atitude de Bioy no quesito “capacidade de
compartilhar”. Em nome da arte de bem anfitrionar, Bioy cedeu a Iggy a primazia
na hora das refeições, bem como a preferência na ocupação de todos os lugares
acima citados e tão caros a ele (em especial meu colo que, felizmente, não se
transformou em campo de batalha). Ele foi um verdadeiro “gentlecat”,
protagonista de uma pungente lição.
Claro que os mais céticos
supervalorizariam o fato de Iggy possuir quase o dobro do tamanho de Bioy, o
que, crê-se, representa muito na escala de valores no mundo felino. Preferimos
acreditar, minha esposa e eu, que Bioy na verdade optou por ser gentil com o
novo amigo, transformando o limão em limonada. Adotando
essa postura, manteve a harmonia no lar, ganhou um novo amigo e ampliou a
admiração que nutrimos por ele. Usou de inteligência emocional. Sempre há o que
aprender na convivência com os diferentes.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 10 de agosto de 2012)
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