sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

O camarão desastrado



Noite dessas, chutei o balde na aula de gastronomia à qual apareço de vez em quando a fim de aprender alguns truques de cozinha e somar pontos em casa. Chutei literalmente, pois tive de me deslocar da bancada do canto da parede, na última fileira, onde sempre me posiciono para evitar pagar mico com a demonstração de minhas inabilidades paneleiras, para dar lugar a uma dupla que chegou atrasada e desejava fazer a aula junta, o que me obrigou a sair de minha zona de conforto e assumir o posto bem à frente, onde eu nunca havia estado.
No trajeto, transportando o potinho de camarões que me cabia para confeccionar os pratos da noite, não vi a lixeira de plástico posicionada no caminho e arremessei-a longe, em chute certeiro, aos pés de outros colegas, que me olharam desconfiados. A aula tinha início enquanto eu ainda trombava acocorado entre aventais alheios e balcões tentando recompor a lixeira, reposicionando-me mais vermelho do que os camarões que os colegas já começavam a saltear na frigideira.
Ansioso por entrar no ritmo da aula, perdi as explicações sobre a técnica de limpar as tripinhas dos camarões e parti direto ao plano b, que consiste em ignorar a presença das entranhas nos crustáceos e prepará-los assim mesmo, mas o acendedor da boca do fogão me sacaneava e as palavras do chef eram abafadas pelo insistente tlac-tlac-tlac dos estalos que eu desesperadamente produzia. Solidária, a colega ao lado na minha bancada me perguntou, enquanto os camarões dela borbulhavam lindamente dourados em dendê na frigideira que pilotava, se aquela “também” estava sendo a minha primeira vez ali. Fui honesto e respondi que não, já era a minha décima segunda aula, ao que ela empalideceu e passou a observar com o canto do olho a posição dos extintores de incêndio, agradecendo a Deus por não ter presenciado nenhuma de minhas participações anteriores.
Tudo isso porque saí repentinamente de minha zona de conforto. Em casa, meus camarões fazem sucesso, já que na minha cozinha eu transito até de olhos fechados. Mas é preciso mantê-los bem abertos sempre que somos obrigados a atuar fora de nossos aquários. Afinal, nem todos apreciam que lhes chutemos baldes às pernas.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 4 de janeiro de 2013)

2 comentários:

Rafaela disse...

Dá para agendar uma degustação? ;)

marcos fernando kirst disse...

Oi rafaela.
Melhor esperar eu aprender a limpar as tripas dos ditos cujos, pois, conforme relatei, perdi essa parte crucial da aula dando ancadas nas bancadas.... rsrsrsrs