segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Um nocaute na barbárie

Qual o melhor termômetro para medir o grau de barbárie ou de civilização em que se situa determinada sociedade? Como identificar em que estágio na escala do desenvolvimento humano uma comunidade se assenta? Fácil: basta detectar em que ponto dessa régua essa sociedade ou comunidade estabelece seu índice de tolerância frente ao intolerável. Quanto mais tolerante com o intolerável, quanto mais leniente com as mazelas sociais, mais no fundo do poço do processo civilizatório se encontra a sociedade em questão. Na outra ponta, quanto mais seus cidadãos rechaçam o intolerável, criam e respeitam mecanismos de proteção, de coibição e de punição a seus praticantes, mais civilizada é a sociedade que constroem.
Não é tolerável, por exemplo, a corrupção tomar conta de todas as instituições públicas e privadas de uma sociedade. Não é tolerável políticos, legisladores e funcionários públicos de todas as ordens legislarem e atuarem em causa própria. Não é tolerável agentes privados corromperem os agentes públicos. Não é tolerável o bullying. Não é tolerável fazer justiça com as próprias mãos. Não é tolerável a intolerância religiosa, racial, social. Não é tolerável maltratar animais. Não é tolerável o estupro. Não é tolerável o crime organizado. Não é tolerável abastecer aviões com combustível contado para chegar ao destino sem levar em conta quantidades reservas para enfrentar eventualidades. Não é tolerável a política do ódio. Não é tolerável a agressão por desavença de trânsito. Não é tolerável qualquer agressão verbal e física. Não é tolerável fazer vistas grossas ao crime. Não é tolerável dirigir alcoolizado. Não é tolerável propor criar um evento em que as pessoas se reúnam com o propósito de dar socos umas nas outras. Não é tolerável achar normal que essa proposta truculenta receba a inscrição de mais de dois mil interessados em participar da bestialidade. Não é tolerável assistir de braços cruzados à barbarização galopante da sociedade em que vivemos.

Quanto mais tolerante com o intolerável, mais afunda a sociedade na areia movediça da degradação civilizatória. E cada vez mais difícil fica o processo de resgatá-la de lá. O pensador gaúcho José Hildebrando Dacanal já alertava, anos atrás, para as consequências do desastre civilizatório brasileiro: 100 milhões de bárbaros gerados ao longo das últimas quatro décadas. Pois ei-los aí, em ação. Se formos tolerantes com o intolerável decorrente da barbárie, nos afogaremos nela quando ainda estivermos (infelizmente) vivos para ver.
(Crônica publicada no jornal Pioneiroem 12 de dezembro de 2016)

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