segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Porco, cão ou ovelha?

Quem é porco? Quem é cachorro? Quem é ovelha? Quem é humano? Quais as diferenças entre eles? Quais as semelhanças? De acordo com suas atitudes, um ser humano pode se assemelhar a um porco, a um cachorro ou a uma ovelha, se, para efeitos de comparação fabulosa e metafórica, forem levadas em conta algumas características atribuídas a esses animais. O porco é o ser que atropela tudo movido pelo incontrolável desejo de saciar seus interesses imediatos, resumidos a uma fome voraz (que, transposta para o universo humano, pode ser entendida como fome de poder, de riquezas, de fama etc). O cachorro é o bajulador inconsequente desprovido da proatividade do porco, mas que se alia a ele para também atender a seus interesses próprios e de ascensão. A ovelha é a grande população submissa, vampirizada pelos porcos e pelos cachorros, sem iniciativa de reação; os inocentes úteis; a massa ignara.
O escritor britânico George Orwell (1903- 1950) criou uma das mais icônicas obras da literatura contemporânea ao abordar a questão com seu aclamado “A Revolução dos Bichos”, lançado em 1945. No original, o livro intitula-se “Animal Farm” (“A Fazenda Animal” ou “A Fazenda dos Bichos”, em tradução livre deste cronista). Ali, os bichos da Granja do Solar resolvem se unir a fim de subjugar os humanos dominantes e assumir o controle da fazenda, irmanados em um propósito inicial de solidariedade traduzido pelo lema “Todos os bichos são iguais” (alterado mais tarde para “Todos os bichos são iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros”, à medida em que os porcos vão traindo o movimento e se aliam aos homens, pelo poder). Quarenta anos atrás, em janeiro de 1977, o grupo inglês de rock Pink Floyd lançava seu nono disco de estúdio, intitulado “Animals”. Era um álbum conceitual (como quase todos os da banda então liderada pelo baixista e compositor Roger Waters) claramente inspirado no livro de Orwell, composto por apenas cinco faixas (três delas com mais de dez minutos: “Dogs”, “Pigs” e “Sheep)”.

Nas letras das músicas de 40 anos atrás, Waters debruça-se a analisar as nuances das gentes que se assemelham a porcos arrivistas, a cachorros reacionários e a ovelhas submissas, e de como esses personagens humanos protagonizam as mazelas do mundo. Nesses dias estranhos em que vivemos, nada mais atual do que recolocar “Animals” do Pink Floyd para tocar no aparelho de som e folhear de novo as páginas de “A Revolução dos Bichos”, que encerra-se com a famosa frase “... mas já se tornara impossível distinguir quem era homem, quem era porco”.
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do SUl, em 23 de janeiro de 2017) 

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