segunda-feira, 15 de maio de 2017

Do branco e preto ao fúcsia

Minha dúvida, madama, é a seguinte: não sei se é o mundo que vai ficando a cada dia mais complexo ou se é a gente que vai emburrecendo à medida em que a velhice avança. Sim, claro que uma coisa não elimina a outra, é possível mesmo que as duas hipóteses estejam ativas e operem concomitantemente, e a senhora veja bem, empregar o termo “concomitantemente” é uma maneira complexa de se referir à simples expressão “ao mesmo tempo”, mas por que optar pela forma mais complicada?
Pois é, fico aqui matutando essas coisas depois de observar a palheta de cores disponíveis no estojo de lápis-de-cor de meu afilhado de quatro anos de idade e ser incapaz de reconhecer pelo nome a exata tonalidade a que o fabricante pretende se referir em alguns lápis. Tem ali “azul turquesa”. O que é azul turquesa? Uma espécie de azul criada pelos turcos? Os turcos criam cores? E, se sim, criaram somente um tipo de azul? Ou existe o amarelo turquesa? O vermelho turquesa? Eu nunca vi. Ou, se vi, não soube reconhecer como sendo. Nos meus tempos, havia dois tipos de azul: azul claro e azul escuro, sendo um mais forte do que o outro e pronto. O mesmo se dava com o verde: verde claro e verde escuro. Não havia verde limão, nem verde mar. Mar é verde? Conheço mar azul e mar marrom (nossas praias, né madama, que coisa). As paletas de cores se resumiam ao básico do básico, como amarelo (os coleguinhas abastados já exibiam o amarelo ouro, reconheço), laranja, vermelho, lilás, roxo, cinza, preto, marrom. Até lápis branco havia, creio que para usar quando se estivesse desinspirado ou com a alma descolorida. Mas era só.

Lembro quando surgiu o ocre. Tratava-se de um marrom mais aguado, corzinha assim de barro lavado ou de... de... enfim, o ocre era o ocre e ampliou, na adolescência, minha capacidade de detectar as cores do mundo. Eu via ocre em tudo. Era especialista em detectar ocre. Depois fiquei sabendo que alguns vermelhos podiam ser classificados como púrpura, mais puxando para o roxo, um híbrido de cores. Nessa linha de especificações e detalhamentos do vermelho, agregou-se, anos mais tarde, o carmesim, cujo nome é tão poético quanto a cor em si. E o fúcsia, que é outra forma de se referir ao magenta. Que sabia eu de fúcsia, magenta, carmesim, púrpura, ocre, lá nos idos do jardim de infância, quando o desafio maior era colorir corretamente as sete faixas do arco-íris que a gravura colocava às costas de Noé desembarcando da Arca? As coisas eram mais simples no nosso tempo e no de Noé, né, madama. Ah, sim, e mais descoloridas também. Bom, tem isso...
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul,em 15 de maio de 2017)

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