segunda-feira, 29 de maio de 2017

Uma abobrinha irrecusável

Como o mar não está para peixe, decidi requentar uma abobrinha, na esperança de que o tema seja de mais fácil digestão. Pode ser, madama? Essa questão da abóbora oferecida pela Ana Maria Braga à Taís Araújo, recusada pela atriz ao vivo e a cores no ar, dia desses, no programa “Mais Você”, rendeu um caldo, concorda? A bela e competente Taís Araújo, uma das convidadas do dia na atração matinal chefiada pela apresentadora chef, viu-se confrontada com um prato feito à base da única coisa no planeta que ela não come, nem que seja amarrada e levada à força, digamos, ao programa da Ana Maria Braga: abóbora.
Taís Araújo não come abóbora, ponto. Ela até jurou que não se mixa frente a uma pratada de bucho, ou de um quiabo, ou mesmo de uma caldeirada de lula. Enfim, qualquer coisa, mas, abóbora, não! Taís revelou que come não só de tudo, mas que também come muito. Gosta de prato fundo, de comida “de verdade”, que é como ela classifica um prato de feijão, arroz, massa e pata de elefante. Come e gosta de falar de comida, seu assunto predileto. “Sou monotemática, só falo em comida”, explicou a longilínea atriz, enquanto o aroma do nhoque de abóbora da Ana Maria Braga saltava das panelas e invadia os estúdios do Projac, quase chegando até nossas casas, lembra, madama? E a pobre da Taís ali, com cara de quem não comeu, não comerá e não gostou.
Foi o que bastou para que o episódio viralizasse pelo país inteiro. Uns, defendendo a sinceridade da Taís, em recusar aquilo que não gosta (questão de postura e respeito). Outros, achando que ela foi indelicada (questão de postura e respeito, também). Outros, ainda, criticando a inoperância da produção do programa, que não identificou com antecedência as restrições gastronômicas da convidada (questão de competência). Mas, também, né, madama, convenhamos. Primeiro, quem iria imaginar a existência de uma criatura que não gosta de abóbora? Pepino, cebola, repolho, chuchu, vá lá, mas, abóbora? Francamente! E, depois, tem outra: como disse a própria atriz, quem iria imaginar ser servido com nhoque de abóbora no desjejum, às oito da manhã? Francamente, também!

Antes que a madama julgue ser abobrinha comentar a abóbora da Ana Maria Braga, antecipo que o episódio guarda, sob as asas do Louro José, alguns aspectos para a reflexão. Entre eles, figura a linha fina e tênue que separa a chamada “sinceridade” da boa educação, bem como a linha fina e tênue que separa a convicção de atitudes do cuidado e o respeito com o outro e suas peculiaridades. Conviver é uma arte que não se aprende lendo receitas.
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 29 de maio de 2017)

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