sábado, 19 de março de 2011

Inabilidade pessoal

(Se me avistarem em algum museu...)

Não são só as mulheres que compram por impulso e depois se arrependem. Nós, homens, também aprontamos dessas às vezes, porém, não contamos a ninguém ou disfarçamos muito bem. Eu, por exemplo, dia desses, choquei toda a minha família ao anunciar que havia adquirido um estojo de ferramentas com furadeira. “Para quê?”, queriam saber tios, primos, avós, mãe, irmã, esposa, sogro, sogra, cunhados, cunhada, gatos e galinhas. O espanto geral procede, afinal, sou reconhecidamente um redondo zero à esquerda em matéria de habilidades manuais.
Em Uvanova, a pequena, simpática e acolhedora cidadezinha situada no meio da Serra Gaúcha, vizinha a Tapariu, onde residem meus sogros e família, todos já desistiram de me botar a enxada na mão ou de me convidar para ajudar a colher uvas. “Melhor mesmo é deixar o Marcos quieto lá no canto, lendo os livrinhos dele, que não coloca ninguém em risco”, compartilham todos os uvanovenses em relação a mim. Especialmente depois daquela feita em que fui ajudar a cortar a grama do pátio manuseando a maquininha de corte com fio e, quando vi, havia aparado todas as unhas do pé esquerdo no qual acabara de rasgar ao meio o chinelo-de-quase-ex-dedos que calçava. Tiraram-me das mãos o aparador e me mandaram para a casinha ler o jornal de ontem.
Desistiram definitivamente de mim poucas semanas atrás quando, também em Uvanova, meti-me a querer ajudar o pessoal a produzir geléia de uva, com os frutos recém colhidos do parreiral e da maneira como os antigos faziam. O sogro juntou a lenha enquanto tirávamos os grãos de uva dos cachos (isso me permitiram fazer) e logo o tacho estava no fogo, recebendo as uvas e o açúcar que, magicamente, logo se transformariam em saboroso doce. Como todos, quis também mexer a mistura com a mescola (pá de madeira usada para esses fins uvanovenses), mas fui catapultado de volta para a casinha do jornal de ontem quando minha descoordenação motora me fez começar a espalhar geléia por todo o pátio.
Por que, então, afinal, a aquisição da caixa de ferramentas com furadeira? Por causa da sedução irresistível da publicidade. Trata-se de um alerta. Protejam suas crianças. E me alcancem um jornal de ontem, por favor.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 18 de março de 2011)

Um comentário:

Rafaela disse...

Muito bom!

Agora, quando precisar colocar um quadro na parede aqui em casa vou te chamar! :)

Beijos
Rafaela