sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

As cápsulas do tempo


Uvanova é uma pequena e simpática cidadezinha de colonização italiana encravada no alto da Serra Gaúcha na divisa entre Tapariu e o Rio das Antas, conhecida por seu povo amigável e pelo sagu de polenta cuja receita secreta as nonas não revelam nem no confessionário, apesar de muitos padres já as terem tentado a fazê-lo, infrutiferamente. Os uvanovenses são apaixonados por futebol e, agora em dezembro, coincidentemente, os dois clubes citadinos dedicados à prática do esporte bretão celebram 30 anos de chutes, caneladas, raros gols, rivalidade acalorada e muita alegria.
 Fundados no mesmo dia 3 de dezembro de 1982, tanto o Esporte Clube Que Lance quanto a Associação Atlética Canoa Furada dividem as emoções esportivas de toda a comunidade. Este ano, o prefeito Parreirino Della Merlota resolveu realizar um evento cuja intenção era promover a união entre os correligionários, atletas e diretores dos dois times, oferecendo-lhes um sopão de anholine grátis no domingo passado, no salão de festas da igreja.
Aproveitando a ocasião histórica, o secretário municipal de Cultura, Desportos, Educação, Agricultura e Saneamento Básico sugeriu que fossem abertas as duas cápsulas do tempo (urnas contendo material da época e documentos a serem legadas para as gerações vindouras) que haviam sido enterradas três décadas atrás em cada clube, junto com a pedra fundamental de cada estádio (que nunca saíram da planta). Abertas as urnas, a surpresa e a decepção: em uma delas, um disco em vinil contendo o hino do clube; uma fita cassete trazendo declarações dos dirigentes da época e dos jogadores e uma fita VHS com imagens e depoimentos relevantes. Nada foi aproveitado, pois ninguém em Uvanova encontrou um toca-discos para escutar o vinil, nem um gravador para rodar a fita e tampouco um videocassete para exibir o VHS. Já o outro clube, cuja cápsula do tempo trazia um livro narrando a história de sua criação, um jornal com entrevistas com os dirigentes e jogadores e um álbum de fotografias analógicas reveladas em papel, teve sua história revivida e apreciada por todos de forma imediata.
Ninguém mais em Uvanova discute a questão do fim do livro ou dos veículos impressos.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 14 de dezembro de 2012)

2 comentários:

Rafaela disse...

Muito bom!

Este é mesmo um problema moderno, se conseguiremos acessar todos os nossos guardados digitais daqui a 15 anos.

Como os apartamentos estão cada vez menores e com menos espaço para guardados em papel, creio que daqui a pouco não teremos memória alguma...

marcos fernando kirst disse...

Verdade... mas sigo tendo dificuldade em me livrar de minha memorabilia de impressos, e vou acumulando....