Nove e meia da noite de uma
terça-feira. Minha mulher está em casa, virada do avesso, acometida por forte
gripe de verão. Decido tirar o carro da garagem e ir até uma farmácia no
centro, buscar remédio que lhe possa aliviar os sintomas e permitir uma noite
de sono menos conturbada. “Vou num pé e volto noutro”, digo, chave na mão, já
saindo porta afora. Pois fui de carro e voltei de guincho, isso sim.
Adquirida a panacéia na farmácia
que eu sabia aberta àquela hora da noite, retornei ao automóvel e ele decidiu
não mais sair dali por algum motivo que ultrapassa meus vãos conhecimentos
mecânicos. No alto de minha soberba, ainda tentei fazer aquela coisa “pegar no
tranco” e andei duas quadras apagado, dando solavancos que resultaram em nada.
Na verdade, piorei um pouco mais minha situação, já que parei em um cruzamento,
no meio da via, atrapalhando o tráfego. Liguei o pisca-alerta e telefonei para
minha corretora de seguros, que encaminhou a solicitação do guincho que meia
hora depois nos despejaria (a mim e ao meu moribundo veículo) em casa.
Restava-me a paciência de esperar.
Paciência que, logo vi, inexistia em um motoqueiro, que indignou-se com minha
posição dentro do carro morto (com pisca-alerta ligado, repito), ao celular
(falava com a corretora), e resolveu me xingar, como se eu estivesse
deliberadamente determinado a lhe atazanar a vida, eu, que seguramente tenho
como esporte encalacrar meu carro no meio da rua no meio da noite, claro. Abriu
o sinal e ele foi-se, equilibrando a moto numa mão e desenhando gestos
mal-educados com a outra, dirigidos a mim.
Para minha surpresa, não demorou
mais do que dois minutos para que a categoria fosse redimida pela ação
solidária espontânea de outro motoqueiro, que parou e me veio oferecer ajuda
para manobrar dali o carro, encostando-o no meio-fio, de onde pude aguardar
pelo guincho em segurança. Costumo pensar que, normalmente, tenho sorte no
azar. Esse foi um desses casos. Ainda por cima, rendeu-me crônica e motivo para
refletir sobre as motivações humanas. De qual dos dois motoqueiros meu perfil
pessoal mais se aproxima frente aos episódios do cotidiano? Bom tema para
pensar dentro de uma cabine de guincho...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 30 de novembro de 2012)
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