Pois é, madama, a senhora veja só: nosso encontro semanal
desta vez caiu bem no dia 31 de outubro, Halloween, o Dia das Bruxas. Não
podemos deixar a data passar em branco, né? Hein? Insinuando coisas, eu? Óbvio
que não, madama. Não insinuo nada, afirmo mesmo: não deixemos a data passar em
branco. Neste dia, é costume narrar estórias estranhas uns aos outros, então, vamos
a uma delas, que tenho muitas na manga.
Já de saída, pergunto: a senhora sabe o que é uma
muçurana? Não sabe? Muçurana é uma cobra. Como? Pouco entende a senhora de
cobras? Sim, posso imaginar. Então, lá vai minha estória estranha de Halloween,
sobre o dia em que deparei com uma muçurana. Era eu um reporterzito ainda em
formação, meados dos anos 1980, cabeludo, barbudo, magrinho e voluntarioso,
aprendendo o ofício na simpática cidade de Candelária, quando recebi da “Folha
de Candelária” a missão de entrevistar o dono de um ônibus de exposições parado
para conserto em uma oficina. Lá fui eu falar com o seu Antônio de Saibro,
bloquinho na mão, caneta Bic na outra e máquina fotográfica a tiracolo. Naquela
época, era comum as cidades do interior receberem a visita de ônibus adaptados
para abrigar exposições assombrosas, com fotos de aberrações, bichos esquisitos
empalhados, animais raros vivos e outras estranhuras.
Aquele ônibus portava a Exposição Científica de Ofídios e
Aracnídeos da Selva do Brasil, só que tombou de lado em uma curva perto de
Candelária e teve de parar para reparos. A julgar pelo texto, de minha própria
lavra, publicado no jornal, o estrago foi considerável: “Externamente,
para-brisas e janelas quebradas e a lataria toda amassada. No interior, no
local da exposição, percebe-se os efeitos do acidente: onças empalhadas com as
palhas à mostra, tatu de pernas para o ar ao lado de um pequeno roedor
enrodilhado em uma cobra que o ataca. Além disso, a estante que continha os
animais vivos apresentava todos os seus vidros quebrados, onde podia-se
perceber uma tartaruga de 40 centímetros ainda perplexa com a desordem
reinante”.
Antônio informava que todos os animais vivos haviam sido
recapturados após o acidente, exceto um: a muçurana. “A muçurana?”, inquiri,
embaçando de suor frio as lentes dos óculos. “Sim, uma cobra que... ah, mas
aqui está ela!”, exclamou, se agachando e capturando, às minhas costas, a tal
da bicha perdida. Encerrei ali a entrevista e desabalei reto para a redação.
Descobri ali que jornalismo é uma atividade de alto risco. E cobra, madama, é
bicho que sempre assusta, seja do tipo que for. A senhora, agora, que conte
outra.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 31 de outubro de 2016)
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