segunda-feira, 24 de outubro de 2016

E o Nobel vai para...

Noite dessas tive um sonho. Foi semana passada, no andar de quinta para sexta-feira, quando fui dormir refletindo sobre o fato de Bob Dylan ter sido agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura de 2016, deixando dezenas de escritores ao redor do mundo chupando caneta. Admirador de carteirinha de Bob Dylan que sou (aprecio a obra e o personagem que Robert Zimmerman criou com genialidade), confesso que rumei ao leito mergulhado em pensamentos confusos e dicotômicos, sopesando os argumentos da multidão (furiosa) dos contrários e os argumentos da multidão (também furiosa) dos favoráveis à homenagem prestada ao cantor (agora escritor) norte-americano.
Bob Dylan, meu ídolo musical, ganhando o Nobel de Literatura. Sou contra ou a favor? E que importa minha posição a respeito? Bob Dylan ficará sabendo? A Academia Sueca aguarda com ansiedade minha reação? Minha mãe me exige um posicionamento, uma vez que infernizei anos a fio nossa casa em Ijuí rodando LPs o final de semana inteiro fazendo soar ao vento a voz fanhosa do bardo? Não, né. Mesmo assim, deitei a cabeça no travesseiro com a mente em turbilhão, sem conseguir bater, bater na porta do sono. Contra ou a favor? Minha mente era uma pedra rolante no travesseiro. Eu não encontrava abrigo contra aquela tormenta. E não adiantava pensar duas vezes, porque não estava tudo bem. Tudo não passava de uma simples distorção do destino... Apaguei!
Apaguei e acordei lembrando o sonho. Um sonho protagonizado por alguém que era aficionado pelo mundo dos sonhos. Eu estava em um estádio imenso, aguardando com expectativa o início do show, em meio a uma multidão excitada. De repente, as luzes se apagam. Um frêmito percorre as espinhas. Um acorde de guitarra ressoa e reconhecemos de imediato a música que vai abrir o espetáculo. O holofote acende e foca o guitarrista que invade o palco, sob os aplausos do público: é Jorge Luis Borges, mandando ver na guitarra distorcida. Ao fundo do palco, Adolfo Bioy Casares empunha as baquetas e chacoalha a bateria. O gigantesco Julio Cortázar dedilha seu baixo. Ernesto Sábato empunha a guitarra de apoio enquanto as backing vocals Silvina Ocampo e Alfonsina Storni começam o refrão ao qual fazemos coro: “Tlön, Uqbar, Orbis Tertius! Tlööönnn, Uqbarrrr, Orrrr-bis Tertiuuuuus”! E lá vai Jorge Luis com seu solo de guitarra, liderando o tão esperado show dos Borges e os Alephs.

Acordo ainda com a nítida certeza, advinda do sonho, de que agora sim, Borges estava apto a ganhar o Nobel de Literatura. Mas tudo era sonho. E o sonho acabou.
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro" em 24 de outubro de 2016)

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