segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Sem perder o rebolado

Eu sou um carnavalesco de fundo de sofá. Minha inserção na popularíssima Folia de Momo se manifesta pela (e se restringe à) minha presença estática defronte ao aparelho de televisão, por meio do qual faço aparições zapeadas alternadas e intermitentes nos principais bailes de Rio e São Paulo e confiro em detalhes (com as câmeras exclusivas) os melhores lances flagrados dos desfiles das escolas de samba dessas duas capitais. Nos pisos dos boxes dos banheiros que ao longo de minha meio-secular existência abrigaram os banhos pós-carnavalescos que tomei jamais jorraram ralo abaixo quilos de purpurina, metros de serpentina, glitter, cocares, tangas, sungas, abadás. Na totalidade das vezes, amanheci a quarta-feira de cinzas de boca semiaberta, adormecido no mesmo sofá. E inteiro.
 Sou um carnavalesco estático, irrebolante, passível de ser confundido com um poste de iluminação no meio da avenida ou do salão, uma fantasia que rimaria perfeitamente com toda essa minha essência carnavalesca (José Deon, editor-adjunto do jornal “Pioneiro” que generosamente abriga as minhas crônicas de segunda, certamente lê esta minha confissão e esboça um meio-sorriso de canto de rosto ao recordar tempos idos e evocar certos “queijinhos dançantes”, mas deixemos disso, não era Carnaval, Zé!). Minha relação de espectador do carnaval televisionado teve início nos longínquos anos 1980, quando eu saía da adolescência e ingressava na alvorada da juventude. Ligava a televisão (Telefunken) na sala de casa tarde da noite, sozinho, após a família ter se recolhido a seus quartos, prevenido com um fenomenal estoque de duas garrafas de cerveja geladas no refrigerador (Steigleder) e aguardava ansioso o desfile de musas da televisão que inauguravam o glamour das rainhas das baterias (Luma de Oliveira, Monique Evans, Luíza Brunet e tantas outras desafiavam costumes e despertavam nossas paixões de sofá da sala do Oiapoque a Ijuí). E tinha o comentarista Fernando Vanucci, que se gabava ao vivo de já ter sido namorado de metade delas. A gente, claro, acreditava e invejava.
Mas o melhor de tudo eram os sambas-enredo. “Bumbum Praticumbum Prugurundum”, “Explode coração, na maior felicidade...”, “Tem xinxim e acarajé...”, “Diga espelho meu, se há na avenida...”, “Liberdade, liberdade, abre as asas...” e tantos outros que passávamos a cantar de cor ao longo do ano todo. Mas hoje? Ah, hoje, sou dono de novo sofá e nova tevê. E estou preparadíssimo para varar mais uma carnavalesca madrugada... roncando, embalado nos talentosos sambas-enredo de outrora... Boa festa!

 (Crônica publicada no jornal Pioneiro, de Caxias do Sul, em 12 de fevereiro de 2018)

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