segunda-feira, 2 de abril de 2018

Inteligência não é adorno


A inteligência não passa de mero adorno se não produzir ações criativas. A sentença é profunda e causa efeito imediato no leitor, assim que lida, e foi com a intenção de não ofuscar seu brilho natural que decidi começar esta crônica de segunda com ela, abrindo mão do uso das aspas com as quais conviria ladeá-la do início ao fim, uma vez que se trata da citação de outra pessoa, e não uma criação original do autor destas mal-digitadas. Releiamos, pois, agora a frase com as devidas aspas, degustemos o conteúdo de seu propósito e concedamos de imediato os devidos créditos, antes que venhamos a amealhar glórias indevidas.
“A inteligência não passa de mero adorno se não produzir ações criativas” (agora com as devidas aspas para preservar a autoria e com a repetição induzida a fim de reforçar o conceito). O axioma indiscutível advém da mente brilhante de um renomado diplomata australiano chamado Reginald Allen Leeper (1888 – 1968), que esteve presente aos faustosos trabalhos relativos à compilação do Tratado de Paz que pôs fim à Primeira Guerra Mundial, documento concluído em 1919 e que ficou conhecido como o Tratado de Versalhes. Ao proferi-la, o ilustre membro da delegação britânica procurava insuflar em seus colegas oriundos de várias partes do mundo a se unirem no propósito de produzir um tratado cujos termos concorressem para a criação de um mundo melhor do que aquele do qual emergiam após quatro tenebrosos anos da mais cruel e sangrenta guerra jamais vivenciada até então pela humanidade. A prática, pautada pelo egoísmo, a ganância e a tendência para a trapaça que regem a natureza humana, varreu para baixo do tapete os bons propósitos contidos na sentença e deu margem para a eclosão, 20 anos mais tarde, de outro conflito ainda pior, como bem sabemos.
Mas isso não tira o mérito e nem deslustra a boa intenção contida na frase de Mr. Leeper, uma vez que ela tem potencial para ser aplicada a diversas áreas da ação humana. De minha parte, interpreto-a como um convite à responsabilidade dirigido a aquelas pessoas que desfrutam de acesso ao conhecimento, à cultura e à educação, tornando-se “inteligentes”. Um convite para que usem essa inteligência para propósitos criativos e construtivos, civilizatórios, ao invés de transformar a inteligência, o saber e a cultura em poderosos instrumentos para disseminar ódios, fraudes, preconceitos, ataques gratuitos, geração de inverdades e aprofundamento das desumanidades. Conhecimento traz responsabilidade, mas ela precisa gerar frutos positivos. Estamos fartos de gênios do mal.
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 2 de abril de 2001)

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