segunda-feira, 26 de março de 2018

Alimento para a imaginação


Uma comunidade que não valoriza e despreza a cultura, as manifestações e os processos culturais, engata uma marcha acelerada rumo à barbárie e ao retrocesso em todos os campos da existência e da civilização, inclusive nas áreas da economia, do desenvolvimento, da educação, da saúde, da segurança, do bem estar em geral. Por quê? Ora, simples: porque a cultura é a base primordial e sólida sobre a qual se edifica a vida em sociedade, estabelecendo e regendo os valores fundamentais das comunidades. Sem cultura, não há desenvolvimento; o processo civilizatório estagna e passa a retroceder em marcha-à-ré rumo ao fundo do poço. Comunidade (país, nação, município, bairro, grupo, empresa, entidade...) que opta por negligenciar a cultura, estando já a se equilibrar perigosamente sobre as beiradas do poço da barbárie, comete autofagia, adota postura autodestrutiva. É aconselhável ter cuidado.
É interessante detectar, ao lançar olhares mais atentos sobre a história dos países diretamente envolvidos (e mais atingidos pelos efeitos destrutivos) na Segunda Guerra Mundial, a preocupação e a importância direcionadas ao resgate urgente das manifestações culturais, por parte dos gestores encarregados dos processos de reconstrução e também de forma espontânea pela população em geral. São comuns os relatos de testemunhas, especialmente nos países europeus, dando conta de que, assim que se encerraram as beligerâncias, membros sobreviventes de orquestras sinfônicas e de companhias teatrais trataram de organizar espetáculos em meio aos escombros, resgatando parcela da dignidade de seus povos, voltando a insuflar lufadas de humanidade e de civilização assim que se encerrou a barbárie. Era a consequência da compreensão clara do lugar vital que a cultura ocupa na vida de uma comunidade.
A “fome por cultura” andava ao lado da fome orgânica entre os sobreviventes do conflito, e precisavam, ambas, serem supridas. Não uma em detrimento da outra, como poderiam pensar alguns gestores mais despreparados, imediatistas e míopes, mas, sim, concomitantemente, de acordo com as possibilidades. O historiador holandês contemporâneo Ian Buruma, em seu livro “Ano Zero: Uma História de 1945”, analisando esse cenário na Europa finda a Guerra, escreve: “O que era necessário, tanto quanto comida e combustível, eram mais escolas, livros, filmes, música, teatro”. Konrad Adenauer, na chefia do governo municipal da cidade alemã de Colônia, refletia sobre isso observando o caos deixado pela guerra e complementava: “A imaginação tem de ser alimentada”. Que mais dizer?
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 26 d março de 2018)

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