“Anacronismo” é o termo que se
emprega para identificar uma atitude ou fato que não esteja de acordo com a sua
época. Fazer algo, agir ou mesmo pensar e defender ideias que já foram
enterradas pelo processo evolutivo ininterrupto da humanidade significa incorrer
no “pecado” do anacronismo. Torna-se, portanto, imperioso que se fique atento
às tentativas de resgate de anacronismos que de vez em quando surgem aqui e
acolá, porque, mesmo que revestidas de uma aura aparentemente inócua e bizarra,
essa ideias estão sempre tentando encontrar terreno fértil onde possam voltar a
florescer para reconduzir a sociedade de volta às trevas, instituindo processos
perigosos de retrocesso e involução social, ética e humana. A defesa das
conquistas civilizatórias precisa ser constante e perene, sob o risco de se
verem engolfadas por ondas obscurantistas que surgem e se avolumam à sombra de
nossas eventuais desatenções.
Comecemos por um exemplo manso de
anacronismo, desprovido de más intenções. Você, leitor amigo, leitora atenta,
não irá chamar nenhuma pessoa de seu círculo de relações de “vossa mercê”, e
nem mesmo de “vosmecê”, que é como esse antigo pronome de tratamento evoluiu
com o passar do tempo. Você vai empregar mesmo é o termo “você”, pois estamos vivendo
em pleno século 21 e não mais na era do Brasil colonial. “Vosmecê” e “vossa
mercê” desapareceram no tempo, ao passo da evolução do processo de
horizontalização das relações sociais, e se tornaram, hoje, anacrônicos. Empregar
trabalho escravo é uma prática que também desapareceu (ao menos, oficialmente)
nas brumas do tempo, repudiada pelo processo civilizatório. Hoje, escravagismo
é crime e configura um anacronismo deletério.
A questão está justamente aí: em
identificar e combater as tentativas de ressurgimento de anacronismos
deletérios, e nessa esteira pode-se elencar vários deles que não cansam de
teimar em recolocar a fuça para fora do lodaçal ao qual já haviam sido
condenados pelo bom senso e pela civilização. Discriminar pessoas por sexo,
raça, gênero, opção sexual, ideias, identidade de gênero, posição política,
status social, forma física, é anacronismo. Fumar em ambientes fechados, beber
e dirigir, também estão saindo de moda. Assediar e oprimir sexualmente outrem,
já era. Julgar-se proprietário do outro em relacionamentos é postura
anacrônica. Ah, defender revolução armada é coisa do século passado. E imaginar
que intervenção militar pode ser a solução para problemas sociais e políticos,
então, é anacronismo dos mais preocupantes (e deletérios). Estejamos alertas.
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 11 de junho de 2018)
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