Qualquer guerreiro bárbaro que viesse
a ser aprisionado pelo exército romano, dois mil anos atrás, passava a contar
com duas perspectivas, nenhuma delas alvissareira. Se fosse um combatente forte
e ágil, acabaria deportado a Roma, onde seria transformado em gladiador para
entreter a sede de sangue do público que afluía às lutas no Coliseu. Cedo ou
tarde, morreria na arena, derrotado por outro escravizado gladiador que, assim
como ele, combatia por um dia de vida a mais. Caso não apresentasse o perfil
físico adequado para esses jogos mortais, nosso até então altivo guerreiro
bárbaro seria levado às galés, destino também trágico e infeliz, que o
transformaria em escravo remador para, com o suor de seus músculos, atuar como
força propulsora dos navios de guerra de seus senhores. Tristes e dolorosas sinas.
Esse destino de dor muscular
contínua, fruto de uma vida pautada em esforço físico extremado, tão comum às
gentes de antanho, também pode ser constatado nas biografias anônimas dos
milhares de operários egípcios que dedicaram suas existências a carregar os
gigantescos blocos de pedra utilizados para dar forma às pirâmides de Gizé. Entre
os tantos enigmas abrigados no árido cenário daquelas planícies de areia, figura
o mistério da tecnologia empregada para transportar os pesados blocos das
pedreiras localizadas à distância até o topo cada vez mais alto daquelas
estruturas. Na verdade, cada uma daquelas pedras foi puxada pela união de
músculos, de força, de suor e de dor, muita dor.
É na dor muscular dos remadores
das galés romanas, dos mistos de celebridades e escravos que eram os
gladiadores e dos operários egípcios das pirâmides que eu penso ao sair da cama
repleto de dores, um dia depois de minha estreia (aleluia!) entusiasmada na
academia. Não na de letras, mas na de exercícios físicos mesmo, atendendo enfim
a reiterados apelos dos médicos, da esposa, da saúde e da razão. Tudo dói, e
não poderia ser outra a fatura decorrente da quebra abrupta de uma vida moldada
no sedentarismo. Quantas pedras puxei para cima de Quéops ontem, para acordar
desse jeito? Quantos gladiadores enfrentei em Roma? Quantas remadas dei na galé
rumo a Társis? Não sei. Só sei que a dor decorrente da busca por mais vida, e
de melhor qualidade, certamente é mais bem-vinda do que aquela vivenciada pelos
escravos aqui evocados como contraponto. Com a vantagem de que eu, escravo
voluntário da busca por saúde, posso exigir remo mais leve na minha galé a
qualquer momento e pedrinhas mais suaves para compor a minha pirâmide, se o
quiser. E vamos puxar ferro!
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 4 de fevereiro de 2019)
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