segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

O país dos mais espertos


Precisamos refletir sobre a questão da esperteza. Esse tipo de esperteza que, ao trazer agregada uma falsa sensação de superioridade, acaba descambando para a simples safadeza irresponsável e inconsequente. O problema do espírito coletivo brasileiro é essa tendência que cultivamos, ao longo dos séculos, de nos acharmos mais espertos do que tudo e do que todos. Está entranhada em nossa cultura (“cultura”?) essa vocação para burlar as regras que são estabelecidas justamente para regulamentar o convívio civilizado em sociedade. As regras, pensamos nós, são para os outros, os bananas. Nós, que espertinhos somos, não precisamos segui-las. E daí, né, dá no que dá.
Nós nos achamos mais espertos do que as leis de trânsito, e por isso julgamos normal desrespeitar limites de velocidade, faixas de segurança, restrições ao estacionamento, semáforos etc. Nossa esperteza, claro, gera um trânsito caótico e assassino. A multa, criada para coibir e punir o transgressor, é deturpada como indústria arrecadatória, como se não bastasse obedecer às regras de trânsito para escapar da dita conspiração que, obviamente, não existe. O que existe, sim, é a esperteza geral de quem dirige como um mamute pensando em ludibriar e dar na cara das lesmas ao redor. Até dar de cara no poste da esquina.
Nós nos achamos mais espertos do que as leis de fiscalização de construções (de barragens a centros de treinamento de jovens atletas, por exemplo, sem falar nos museus e boates) e, assim, vamos burlando exigências legais a preço de propina e leniência, contando com os bafejos da sorte para que nada dê errado e, se der (e vai dar), possamos salvar nossos couros depois das tragédias. Achamo-nos espertos e postamos porcarias nas redes sociais agredindo, xingando, pré-julgando, mentindo e escancarando a podridão que habita nossas almas, poluindo o mundo com ódio e falsidades. Somos espertos, temos sempre algo inteligentíssimo a dizer, claro. E lá vai asneira sobre asneira, erigindo Torres de Babel sobre areia movediça.
A consequência dessa nossa esperteza toda está aí, nas manchetes dos jornais, em sucessões alucinantes de tragédias que poderiam ser evitadas caso optássemos por sermos menos espertos e mais cidadãos de verdade. Um país não se molda em espertezas. Molda-se é em suor, trabalho, dedicação diária e regras de cidadania seguidas por todos, em todos os níveis e em todas as esferas. Mas daí o caminho fica mais difícil e os espertos precisam se dar bem logo. Ok, são opções. Só que a fatura um dia aparece por debaixo da porta. Aguardemos as próximas manchetes.
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 25 de fevereiro de 2019)

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