segunda-feira, 17 de junho de 2019

Entre bancas e barbearias


Argentino, um grande amigo meu, nascido em Posadas e residente no Brasil há décadas, é fissurado em barbearias. Melenudo e barbudo como é, tornou-se, por hábito e estilo, freguês tradicional de barbearias daqui de Caxias do Sul, onde mora desde que havia macaquinhos no Parque dos Macaquinhos. Mas, conforme apregoa nas rodadas de cerveja em nossos tradicionais happy hours do findar das sextas-feiras, gosta é das barbearias mesmo, típicas e tradicionais, aquelas atendidas por barbeiro velhinho e careca, trajado em jaleco azul-clarinho, anel de pedra vermelha no dedo mindinho, a aparar arestas capilares com tesoura pontuda e pente bege seboso, manuseando com destreza a navalha em nossos pescoços arrepiados frente ao contato com o gelo do aço e ao temor de que sua mão “non trema jamás!”. “A mí me gustan las peluquerias tradicionales y no los meleneros de barber shop”, reitera, mergulhado em uma convicção que se consolida a cada nova rodada.
Eu escuto e aceito. Afinal, cada qual com suas idiossincrasias, sejam elas brasileiras ou correntinas. Não discuto as barbearias do Argentino e aceito suas preferências, assim como ele o faz em relação ao meu declarado amor pelas bancas de revistas. Sou fissurado em bancas de revistas desde que me conheço por gente, e me conheço por gente desde antes da época em que havia macaquinhos no Parque dos Macaquinhos. Em Ijuí, comprava meus exemplares de “Pato Donald”, “Heróis da TV”, “Recruta Zero” e “Recreio” na Livraria Progresso (que, apesar do nome, era banca de revistas) e no Quiosque da Praça. Quando ia a São Borja em visita aos avós maternos, torrava a mesada em aquisições impressas feitas na banca “A Preferida”. Nas idas a Porto Alegre, atacava as edições importadas da Marvel na banca da Praça da Alfândega. Em Santa Maria, batia ponto dia sim, dia também, na banquinha instalada na boca do Calçadão.
Em Caxias do Sul, fui adotando bancas uma após a outra, desde que aqui resido (quando apareci, já não havia macaquinhos no Parque dos Macaquinhos), e chego a ser tratado como “da casa” em uma delas em especial, assim como ocorre com o Argentino em sua barbearia predileta. Minhas bancas de revistas e as barbearias dele são nossos vislumbres pessoais do paraíso. No meu caso, um paraíso que anda ultimamente assolado por ações de patrolamento e de incineração de bancas de revistas na cidade em que moro. Assustador. De deixar melenas em pé. “Signal de los tiempos”, vaticina o Argentino, saboreando sua IPA, melenas recém tosquiadas. Mas meu cabelo se arrepia. Hora de aparar as arestas...
(Crônica de Marcos Fernando Kirst publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 17 de junho de 2019)

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