George Harrison, conhecido como
“o Beatle quieto”, entrou em estúdio para gravar uma nova canção de sua
autoria, pela última vez, no dia 1º de outubro de 2001, oito semanas apenas
antes de sua morte por câncer, ocorrida em 29 de novembro, aos 58 anos de
idade. Mesmo debilitado devido à luta que travava já há anos contra a doença,
ainda teve fôlego para produzir, ao longo de 2001, aquele que seria seu
derradeiro álbum, “Brainwashed”, lançado postumamente no ano seguinte. Criativo
até o final, não se furtou em também gravar os vocais de sua última composição
(não teve forças para executar os riffs de guitarra que pontuaram sua
genialidade ao longo da carreira solo e nos Beatles) naquele seu último outubro
de vida, mostrando um vigor incompatível com quem se via rondado pela presença
da morte. Afinal, cantar é uma atividade que louva o sopro vital, e George
cantou até o fim.
Mas a questão aqui, para efeitos
desta croniqueta de segunda, não é a vida e a morte do Beatle, e, sim, o teor
do tema contido naquela sua obra final, explicitado no refrão da canção que
batizou como “Horse to the Water”. O refrão diz assim, em livre tradução por
conta do precário inglês do precário cronista: “Você pode levar um cavalo até a
água, mas não pode fazê-lo beber” (“You can take a horse to the water, but you
can´t make him drink”). É uma boa metáfora, e dá no que pensar. O mantra não
foi criado por ele, trata-se de adágio popular amplamente conhecido, mas
reveste-se de significado infinito quando visto sob a perspectiva e inserido no
contexto: afinal, rondava os pensamentos de alguém que sabia estar vivendo seus
últimos dias na Terra. Escutando a canção e atentando ao timbre da voz de
Harrison, é impossível evitar emocionar-se com a convicção com que ele
interpreta a frase, intensa na missão de nos fazer refletir sobre até que ponto
podemos auxiliar os outros em suas jornadas pessoais, e a partir de que ponto
nada mais podemos fazer, cabendo a eles próprios a responsabilidade por seguir
seus caminhos, definir suas prioridades, tomar suas decisões.
Não há nada que possamos fazer se
o cavalo der uma de mula e recusar-se teimosamente a beber a água que, sabemos,
lhe será vital e reconstituinte. Não podemos beber por ele. Podemos fazer toda
a propaganda das maravilhas curativas da água e tirarmos do caminho as pedras
que lhe impedem o acesso à fonte. Porém, em chegando lá, cabe ao cavalo
bebê-la. Afinal de contas, cada qual tem sua própria cavalgada por essas
pradarias mundanas, né, madama? E cabe a cada um administrar a sua sede. Saúde!
(Crônica de Marcos Fernando Kirst publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 10 de junho de 2019)
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