“Ressurreição” é o título do
primeiro romance escrito e publicado por Machado de Assis (1839 – 1908), em
1872, quando o ainda jovem autor de contos e crônicas em jornais aspirava
ocupar um lugar de destaque no cenário literário brasileiro, o que acabou
acontecendo com méritos mais adiante, não se sabe se superando ou se cumprindo
as suas expectativas. Machado, como a madama está careca de saber, é nosso
Shakespeare brasileiro e ombreia-se ao bardo inglês nos quesitos qualidade,
criatividade, relevância da obra, originalidade e, por fim, mas mais
importante: genialidade. Só não alcançou a universalidade obtida por Shakespeare
pelo fato de ter nascido brasileiro e, por consequência, escrever em português,
mas isso são outros quinhentos, como já diziam nossos avós, nos tempos em que
quinhentos ainda valiam metáfora.
“Ressurreição” antecede os arroubos
inigualáveis de genialidade literária que se apossariam de Machado nos anos
seguintes e o levariam a produzir joias como “Dom Casmurro”, “Memórias Póstumas
de Brás Cubas” e “Quincas Borba”. Ao lê-la, percebe-se nela claramente suas
condições de obra de estreia e o tamanho da quebra estrutural narrativa que o
autor protagonizaria com o amadurecimento de seu gênio, mas, ao mesmo tempo, é
também possível detectar nas suas linhas e entrelinhas a presença já latente
dos aspectos que distinguiriam e viriam a compor as características inimitáveis
do escritor no futuro. A trama é simples: Félix, jovem médico prematuramente
auto-aposentado em virtude de uma herança, vive uma vida tranquila pautada pelo
mundanismo despreocupado, focado no cultivo de amizades, de presença em
recepções sociais e de romances deliberadamente efêmeros e superficiais. Até
que, súbito (e se não fosse súbito não haveria literatura), surge Lívia, bela e
jovem viúva, irmã de um de seus amigos.
Lívia apaixona-se por Félix e
passa a demonstrar o sentimento que se assenta em seu coração a partir de
pequenas pistas sutis que são captadas pelas antenas ligadas de Félix. O dândi,
no entanto, vê-se enredado em um dilema: não pode negar o florescer em si de
uma paixão indomável pela moça. No entanto, hesita em se entregar inteiro ao
consumo daquele amor, talvez por medo de balançar as estruturas do modo de vida
que até então cultivava. Vale a pena fazê-lo ou não? A história acabará bem ou
mal? Não sei, madama, ainda não concluí a leitura. Só sei que, assim como Félix
e Lívia também o sabem, a vida é um livro aberto. Para sabermos o desfecho,
precisamos vivenciá-la (a vida e o livro) até o final. Boas leituras.
(Crônica de Marcos Fernando Kirst publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 3 de junho de 2019)
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