A vida literária é permeada por temores. Pelo menos, a vida literária dos escritores e dos pretendentes a escritores. O temor maior dos escritores inéditos é justamente permanecerem não-publicados pelo resto de suas existências, o que, em tese, os descaracterizará enquanto escritores, porque de nada adianta escrever e não ser lido. Já o temor dos escritores estreantes é não serem aceitos pela crítica e pelo público, sendo xingados e jogados na vala comum dos sem-talento.
O pior temor de todos, no entanto, é aquele que corrói secretamente as entranhas dos escritores consagrados. Poder-se ia pensar, especialmente os escritores inéditos e os estreantes, que um escritor consagrado – exatamente aquilo que eles tanto almejam ser na vida – não tenha motivo algum para cultivar temores, mas aí é que eles se enganam. O pior temor de todos, e do qual eles têm plena consciência, é justamente o de serem completamente esquecidos passados apenas alguns anos após as suas mortes, estando então impossibilitados de fazer qualquer coisa para alterar a situação. Somente a certeza da consagração eterna do nome do escritor como pertencente ao panteão dos grandes artistas da humanidade é o que poderia aliviar essa angústia dilacerante que mastiga a alma dos autores renomados. Mas essa consagração só é possível de se concretizar passadas décadas da morte do autor, o que a configura como uma absoluta incerteza.
E é essa incerteza que espinha o espírito do autor renomado. Será ele esquecido? Será sua obra postumamente renegada pelas novas gerações? Serão seus livros encolhidos cada vez mais para trás nas prateleiras da bibliotecas, e submergirão nas seções de sebos e saldos das feiras de livros, até sumirem por completo na poeira das páginas esfareladas pelo tempo? Triste angústia, essa deles.
Na condição de leitor contumaz, posso ouvir daqui o lamento vindo do além, nas vozes de escritores brasileiros como o carioca Coelho Netto (1864 – 1934) e o maranhense Osman Lins (1924-1978). O primeiro, foi um prolífico autor de romances, novelas, contos e poemas, entre eles “Turbilhão”, “Fogo Fátuo” e “Os Pombos”, tendo sido um dos mais lidos no país no início do século XX. O segundo, escreveu obras revolucionárias e inovadoras, como “Avalovara” e “O Fiel e a Pedra”, aplaudidos pela crítica e pelo público quando de seus lançamentos..
Mas, quem hoje os lê? Na mesma esteira, muitos outros poderiam ser citados, mas observemos também o fenômeno que ocorre com autores consagrados estrangeiros que repentinamente desaparecem da vida literária nacional. São os casos, para ficar só nos de origem italiana (a principal etnia que colonizou essas plagas serranas), dos escritores Dino Buzatti (1906 - 1972), autor de, entre outros, “O Deserto dos Tártaros”; e de Alberto Moravia (1907 - 1990), que escreveu pérolas como “1934”, “Agostinho”, “A Romana” e outros. Ambos já foram muito lidos no Brasil, na segunda metade do século passado. Atualmente, desaparecem a olhos não vistos nos sebos e não são sequer reeditados.
Tenho pena deles, mas a pena maior dedico aos leitores atuais, privados do contato com a grandeza da obra dos injustamente esquecidos. A literatura tem dessas coisas...
(Texto publicado na seção "Planeta Livro" da revista Acontece, de Caxias do Sul, edição de julho de 2011)
Um comentário:
Um texto instigante que traz muitas reflexões tanto para aqueles que escrevem esperando alguma glória quanto para os outros que tão apenas escrevem porque simplesmente não podem deixar de fazê-lo, impulsionados por alguma força motriz muito intrínseca e misteriosa. Ser lido, no caso de escritores que já alcançaram certa notoriedade, e depois sentir em cada obra publicada o olvido geral, deve ser um tanto quanto desesperador, muito mais do que um escritor estreante receber a implacável notícia de que nunca alcançará os meios para o reconhecimento. É como aquele ditado popular... “ter e depois perder é pior do que nunca ter dito”, pois quando se tem e depois de algum tempo se perde, instaura-se uma mácula que fica demarcada para todo o sempre, já o que nunca se teve, embora se almeje muito, fica no máximo como uma frustração latente e menos dolorosa do que o sentimento de ter perdido algo que, no tempo em que se tinha, pouco ou nada foi valorizado. Mas... fiquei pensando, com a leitura do texto, que, talvez, um outro “pior temor” seja aquele da glória post mortem, fico imaginando o quanto injusto é um escritor jamais descobrir que ficou famoso, que é lido, comentado, aclamado e que suas obras são reeditadas com uma rapidez enorme... jamais descobrir porque esse voo de suas obras deixadas ocorre somente depois que já não está mais aqui para constatar e aproveitar o resultado de seus escritos. Assim, acredito que é menos injusto que, caso não seja possível que um escritor seja reconhecido em vida, então, que, pelo menos, não venha a glória pós morte, com sua hipocrisia ou com sua percepção tardia, tentar vestir a mortalha glorificada no morto que, em vida, almejou o que somente quando, jaz no seu ataúde pode alcançar. Mas, sem a tal “percepção tardia”, possivelmente quem mais perderá é o leitor porque o escritor glorificado no pós morte nem tem mais o que perder e muito menos o que ganhar.
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