segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Bichos papões

(O temperamento bufante do Lobo Mau comprometia minha paz de espírito na infância)


Assim como são as coisas, são também as pessoas: quanto mais crescem, maiores ficam, pois não? Pois sim, e podemos inserir aí nesse balaio os nossos temores, que interessantemente também vão evoluindo (ou, ao menos, se modificando) com o passar do tempo. Vejam só:
Quando eu era ainda bem pequeninho, vivendo aquilo que chamam de tenra infância, recordo que meu medo primordial era do bicho-papão. Se eu não fizesse as coisas direito, diziam que o bicho-papão viria me pegar. Em meus devaneios, eu me via entornando o prato fundo de mingau e, ato contínuo, sendo pego pelo pé e arrancado à força da cadeirinha pela mão viscosa e verde do bicho-papão, que me arrastaria até debaixo da minha cama (de cuja escuridão eu sempre procurava me manter previdentemente afastado) e lá transformaria a mim mesmo em mingau para ser papado por ele e justificar assim o apelido. Muito de mingau empapei-me temendo o bicho-papão, ora vos conto.
Um pouco mais tarde, já crescidinho, me borrava de medo do Lobo Mau, aquele que atazanava a vida dos Três Porquinhos assoprando as casas deles até que caíssem (sofria de Síndrome de Katrina, aquele bicho bufante). Eu tinha uma coleção de disquinhos de vinil com histórias da Disney, e vivia repetindo o dos Três Porquinhos, mesmo ciente de que, sempre que entrasse em cena a voz do Lobo Mau dizendo “Eu bufo, eu sopro, até a casa despencar, e esses porcos eu vou agarrar”, eu arrepiaria as jovens penugens do pescoço de medo. Muito medo.
Depois, na pré-adolescência, passei a ficar com medo do demônio. Achava que ele viria entrar no meu corpo se eu fizesse coisas erradas, se cometesse pecados, se cultivasse pensamentos malvados, se dissesse nomes feios, se ficasse excitado imaginando estar perdido numa lagoa azul junto com a atriz Brooke Shields e ela nuazinha ao meu lado. Como era impossível não dizer nomes feios e não pensar nos seios da Brooke Shields, tinha certeza de que, a qualquer dobrada no corredor de casa, meu corpo seria possuído pelo demônio e não haveria Cristo que me salvasse. Mas depois vi a Lidia Brondi pelada na Playboy e não me aconteceu nada, e na sequencia vieram a Claudia Ohana (primeira versão, agreste), a Nádia Lippi, a Yoná Magalhães, e nada de ruim me aconteceu, muito antes pelo contrário, e mandei o demônio ir catar coquinhos.
Daí cresci, fiquei adulto e, sem perceber, exorcizei os temores imaginários sem fazer esforço para isso. Meu medo agora é outro, mas não menos apavorante. Tenho medo dos maus políticos. Um medo que me pelo. Medo que faz minhas grisalhas penugens da nuca arrepiarem sempre que vejo as maracutaias que eles aprontam, e as consequências diretas disso no dia-a-dia dos cidadãos, como a insegurança, a buraqueira nas estradas, o colapso da saúde pública etc etc. Sinceramente? Ai, que saudades do Lobo Mau...
(Crônica publicada no jornal Informante, de Farroupilha, em 2 de setembro de 2011)

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