Despertei meio sentimental, intoxicado pelo pólen da primavera que, quando a chuva não despenca, parece de fato existir por alguns períodos nessa nossa região serrana de clima insistentemente invernoso, a despeito do que tentam sugerir as folhinhas do calendário. Decidi então produzir uma crônica lírica e poética, para aproveitar ao máximo o estado de espírito enlevado que se apossava de minh’alma, o que bem sabemos não é sempre que acontece. Problema é que havia algumas pedras no meio das linhas.
A primeira delas é a que insiste em me lembrar que eu não sou poeta e que essa coisa de lirismo n’alma, apesar do apóstrofo que sempre fica poeticamente bem colocado em construções frasais que se pretendem sensíveis, se não for trabalhada com competência e talento, soa forçado e coloca por terra toda a tentativa. Problema dois é que acordei também acossado por uma ponta de teimosia, e segui insistindo em tentar tirar do forno das ideias uma crônica lírica para homenagear a primavera.
O caminho das entrelinhas prosseguia povoado por pedregulhos que teimavam em me mostrar que, por mais fingidor que se pretenda o pseudopoeta, se ele se bota a fingir completamente como propõe o lusitano afamado, sentirá deveras a dor que finge sentir e estatelar-se-a (será essa forma poética?) de fuças em meio a seu Tejo de incompetências literais. Era o que me estava acontecendo e, antes de murchar por completo, recorri ao dicionário em busca de termos poéticos e líricos que eu poderia espalhar pelo texto, a fim de pelo menos me aproximar de meu objetivo. Com a pinça de minha sensibilidade aleatória, pesquei de lá termos como “tanger”, “desvelo”, “alvura”, “conjuras” e “arquejos”, porém, não soube como aplicá-los de maneira que soasse lindo.
Nem a releitura rápida de meus poetas preferidos, como Pessoa, Drummond, Medeiros, Menezes, Quintana, Vanessa, Dall’Alba, Oscar, Manuel Maria e outros, foi capaz de fazer sobre mim brilhar a luz do Belo. Resignei-me, enfim, a somente respirar e sentir a Poesia que eu detectava em volta, recolhendo minhas incompetências para dentro de mim mesmo e aprendendo que Arte também se faz apenas existindo, sem ter de gerar poluição criativa. Todos agradecem.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 4 de novembro de 2011)
2 comentários:
Mas, cara, pensa num TEXTO BEM ESCRITO!
Clap! Clap! Clap!
J.Cataclism
Meu caro, faz mais de hora que estou passeando aqui pelo seu blog. Encantada com suas letrinhas e satisfeita que meu fôlego consiga alcançar seus períodos longos, para se perder em risos nos curtos. Adorei tanto que deixei um Hemingway me esperando. abraços
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