Dia desses fui à quitanda comprar um tomate para fazer guacamole, a fim de aproveitar um abacate que habitava a geladeira e já estava passando do ponto de maturação. Percebe-se esse ponto por meio da técnica do toque na casca aliada ao mais refinado grau de sensibilidade gastronômica, obtida após muita experiência culminada no descarte de quilos de abacates imprevidentemente não tocados na hora certa.
Cheguei na quitanda e fui anunciando ao quitandeiro: “Quitandeiro, me veja aí um belo exemplar de tomate porque hoje vou fazer guacamole”! O quitandeiro não imaginava ser ele um quitandeiro (pois que virara quitandeiro uns 20 anos depois de o termo sair de moda) e tampouco supunha ser possível produzir guacamole a partir de um tomate (o termo, para ele, soava pastoso e repugnante), mas, mesmo assim, para não perder a venda, providenciou de pronto um lustroso exemplar que despontava, todo empinado e faceiro, por entre a tomatada geral encerrada no cercadinho de madeira reservado aos tomates.
Peguei em mãos o rubro espécime e, enquanto o quitandeiro batia na máquina de calcular a soma de minhas compras, eu me detinha a admirar as qualidades visuais do suculento produto. “Mas que belíssimo fruto este tomate aqui, hein, quitandeiro”, exclamei. O quitandeiro não respondia nada, absorto no ensacar de minhas aquisições, classificando-me mentalmente como beócio por julgar ser o tomate um fruto (o que de fato o tomate é, e beócio é quem me chama) e começando a não achar graça alguma naquilo de quitandeiro para cima dele, pois, assim que eu saísse, telefonaria para a filha pedindo que trouxesse à tarde o dicionário para ele dar uma olhadinha, para o espanto descomunal da menina frente a pedido tão esdrúxulo do quitandeiro pai.
Cheguei em casa são e salvo e logo pus mãos e avental à obra. Parti o tomate ao meio com uma facada certeira e ali tive a surpresa desagradável: estava podre por dentro, o maldito fruto quitandal. Esqueci que não se deve julgar um livro pela capa e muito menos um tomate pela casca. Aquela quitanda estava fora de moda e passada do ponto. Segredos como esses não vêm descritos nas receitas e dependem da vivência do cozinheiro. É o que se aprende, com certo custo.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 28 de outubro de 2011)
2 comentários:
Assim como não se deve julgar a moça pela beleza, ou o moço pela roupa de grife que veste... Abraço
Mas eu chamo de 'quitanda' até hoje!
:-D
J.Cataclism
Postar um comentário