Vivemos numa sociedade que se mostra cada vez mais incivilizada no aspecto da capacidade dos seres humanos de se relacionarem uns com os outros respeitando regras básicas de convivência. “Não faça aos outros o que não gostaria que fizessem a si próprio” é um preceito tão antigo quanto desdenhado. As leis da boa convivência vão sendo diariamente varridas para debaixo do tapete sob os olhos estupefatos de quem ainda conta com atos de civilidade no trânsito, na escola, nas ruas, nos restaurantes, nos condomínios, no ambiente de trabalho, nas relações profissionais e pessoais. Viver próximo aos próximos está distanciando os semelhantes.
Os mais otimistas veem no incremento da educação o estandarte que deve ser levantado para confrontar o problema e encaminhar a humanidade para a construção de uma sociedade menos acotoveladora e mais harmoniosa. Enquanto investimento a longo prazo, concordo; porém, acho vital o uso de outro remédio que obtenha resultados imediatos, para evitar que a barbárie tome conta de tudo antes que os efeitos futuros da educação sejam colocados em prática.
O artefato para amenizar um pouco, e já, a selvageria da vida em sociedade, a meu ver, reside no incremento e na disseminação do uso desbragado da gentileza. Defendo a gentileza como elemento civilizador. Expressão de fácil compreensão, se aplicada no dia-a-dia, a gentileza produz efeitos instantâneos e é capaz de transformar o cenário da convivência urbana num piscar de olhos. Imagine o uso da gentileza nas situações do trânsito, no sair e entrar de portas giratórias e elevadores, nas filas dos buffets, no trato de assuntos conflitantes, no comportamento cotidiano que passa a levar em consideração a existência das demais pessoas que nos cercam. Deixar de ver o outro como um inimigo mortal que deseja capturar nosso pedaço de osso é um exercício que vale a pena ser praticado.
Sorrir um pouco mais; dar bom-dia/boa-tarde/boa-noite; empregar as palavrinhas mágicas “obrigado”, “por favor”, “desculpe”, “com licença”; saber reconhecer quando somos alvo de uma gentileza e saber agradecê-la. E retribuir, não necessariamente para a mesma pessoa, mas para outro desconhecido que não a espera de nós. Acredite: pouparemos vidas sendo mais gentis. Ajudaremos a aplacar o inferno, asseguro. Claro que isso não significa sermos tolerantes e/ou coniventes com a malandragem alheia, com os abusados, com os mal-educados, com os espertinhos que querem levar vantagem. Mas precisamos abandonar o pressuposto de que a sociedade é composta por seres que nos odeiam e aos quais devemos direcionar ódio. Porque, do jeito como anda a coisa, está, sim, ficando odioso conviver.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em junho de 2010)
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