sexta-feira, 22 de junho de 2012

Prefiro os tiranossauros



A vida em sociedade neste início de século 21 é tão perigosa e selvagem quanto a de meus ancestrais que, um milhão de anos atrás, precisavam fugir de dinossauros e esquivar-se do pipocar de pedras fumegantes expelidas pelos vulcões. Dia desses, saí a pé de um restaurante logo depois do almoço, em dia de semana, e estanquei à beira da faixa de segurança, aguardando o melhor momento de cruzá-la, já que faixas de segurança costumam ser um dos lugares mais perigosos para se estar no trânsito brasileiro.
A oportunidade de passar surgiu quando o motorista de uma van escolar parou e me fez sinal para atravessar (em Estocolmo, basta colocar o pé na faixa para que a primazia seja do pedestre, mas eu sei que vivo em Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil, América Latina, e ainda não estamos preocupados em importar cidadãos civilizados e muito menos em produzi-los por aqui mesmo). Dei início à minha travessia, mas ela foi bruscamente interrompida na outra metade da rua pelo cruzar ensandecido de um veículo dirigido por um psicopata motorizado que por muito pouco não foi responsável por obrigar o editor do Pioneiro a buscar outro cronista para me substituir neste espaço.
Só não fui atropelado cruzando a faixa de segurança (como ocorreu, por sinal, de forma fatal, com meu pai em Ijuí, anos atrás) porque, encarapitado sobre a agilidade corporal que meus 45 anos de idade ainda me proporcionam, ginguei o corpo e me protegi do bólido assassino, não sem antes exclamar “caaaaaalma, caaaaaalma!”. Ao que recebi em resposta, já metros adiante, do condutor psicopata, um sinal obsceno ofertado por seu braço janela afora.
Resumo: o brucutu quase me atropela na faixa de segurança e ainda se julga no direito de me ofender. Fantástico! Pior é que provavelmente se trata de pessoa com família, emprego fixo, perfil no facebook, querido pelos amigos, amado pela mamãe, indignado com a corrupção no país etc. Só que não passa de um psicopata sobre rodas. É, tá feia a coisa. Chego a invejar aqueles meus ancestrais que tinham de se esquivar somente de tiranossauros-rex. Esses, ao menos, não se camuflavam de gente.
 (Crônica publicada no jornal Pioneiro em 22 de junho de 2012)

Um comentário:

J.Cataclism disse...

...é que tu precisas entender que, certamente, esses psicop... digo, essas pessoas sejam provavelmente mais importantes na sociedade, o que ocasiona o resultado de que seus (delas) horários, atrasos e compromisso são, também, mais importantes.
Tu é que não esperou o momento certo...
:-/

É, tá feia a coisa, mesmo. Sem contar naquelas que já falou em teus textos, que é quase sempre na travessia sobre a faixa que se encontra alguém para um bate-papo haha!

Uma pena o que aconteceu com teu pai mas, mesmo assim, até como publiquei numa cartinha ao Pioneiro ali por fevereiro ou março, te sugiro uma passeadinha, a pé, em Nova Prata; senti a mesma sensação de quando caminhava por Nova Petrópolis ou Gramado: eu mal precisava ensaiar um pé querendo pisar sobre a faixa, seja ela no meio da rua ou nas esquinas, os motoristas já paravam - não importando se o veículo anterior apenas tivesse parado e andado para outro pedestre.

Só assim, mesmo, pra se animar que ainda possa haver jeito. Lá, claro, porque aqui, sinto muito: era mais fácil mesmo para os ancestrais, na sobrevivência do mais forte ou, dependendo do caso, do mais motorizado (quissá galopando algum mamute se tivesse mais chance também naquela época).

Até breve!
J.Cataclism