quarta-feira, 18 de maio de 2016

Frustração ou duplo prazer?

A fim de nos posicionarmos sempre próximos da esfera em que sopra a chamada felicidade, precisamos saber moldar nossas exigências em relação a aquilo que nos dá prazer, fazendo com que se revistam de alto potencial prazeroso aqueles pequenos e corriqueiros fatos do dia-a-dia, sempre tão ao alcance de nossas expectativas e realizações. Da mesma forma, é também aconselhável que saibamos domesticar as frustrações que podem eventualmente surgir no meio dessa perseverante caminhada, pois que frustrar-se demais quando contrariados em alguma demanda, por maior ou menor que seja, tem o efeito de nos distanciar cada vez mais da tal linha demarcatória que permite o ingresso na zona da felicidade.
Deu para entender, madama? Pois é, é uma equação meio complexa de explicar, porque as coisas mais simples, quando tentamos reduzi-las à luz das explicações, parecem ficar complicadas, mas não são. Quer ver? Vou aos exemplos, que é a parte que a senhora mais aprecia, eu sei. Dia desses, estava eu (mas óbvio, madama, que o personagem do exemplo serei eu mesmo, como poderia ser diferente?) a flanar pelas ruas do centro da cidade, no intervalo entre um compromisso e outro, quando meus passos me levaram para dentro de uma loja de livros e discos usados, típico ambiente em que gosto de estacionar minhas flananças e passar a pescar preciosidades.
E daí deu-se que, em meio às gôndolas, de repente, deparei com um álbum do ex-beatle Paul McCartney, importado, ainda lacrado, que eu desejava muito para completar minha coleção! Estava lá o CD, me olhando e sorrindo, com aquela típica feição sedutora que costumam fazer os livros e discos de meus desejos quando encontro-os desamparados nas estantes e gôndolas das lojas, pedindo para que eu os acolha no calor de meu lar. Dificilmente resisto a esse tipo de apelo e, claro, comprei o disco. Aí, então, o exemplo do corriqueiro fato que me transportou para dentro da esfera da felicidade.

Porém (não houvesse um porém, não haveria crônica, certo, madama minha?), ao chegar em casa com a relíquia e tentar colocá-la na estante dos CDs, junto aos demais álbuns do cantor, qual a minha surpresa ao perceber que eu já possuía um exemplar daquela obra, adquirida sei lá eu quando, sei lá eu onde! Surpresa, sim! Mas, frustração? Não, madama, não. Aí é que está o segredo da coisa. Agora, estou com um CD duplo, de que gosto muito. Primeiro, com isso, tive confirmada a convicção de que realmente desejava aquele disco. Por fim, tenho um bom presente para dar a alguém que o mereça. É assim que as coisas podem ser.
(Crônica publicadano jornal Pioneiro em 18 de maio de 2016)

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