quarta-feira, 25 de maio de 2016

Um iglu, um gelo e nada mais

Groenlândia. Já foste para lá, enceroulado leitor, encapotada leitora? Não? Se não me engano, é por lá que se situa a Lapônia, a terra do Papai Noel, onde ele estaciona o trenó e deixa descansarem suas renas. Não, não, a Lapônia fica no Polo Norte, isso mesmo, bem lembrado, entoucada leitora. A propósito, conheces o Polo Norte? Também não? Pois é, nem eu. E o Polo Sul? Tampouco? Não, eu também não. Islândia, quem sabe? Pequeninha, a Islândia. Conhece? Não. Eu também não.
Então nem o encachecolado leitor e nem a enluvada leitora conhecem essas regiões geladérrimas do planeta, assim como eu, que também jamais palmilhei com meus passos essas terras de gelo onde crescem os iglus, onde saltitam as focas, onde esquimós tomam banho nus a temperaturas abaixo de zero, onde os ursos brancos tapam os focinhos a fim de espreitar as morsas, onde cerveja morna é um mito mais inconcebível do que o já citado Papai Noel, onde pinguim traja casaca, onde as palavras se congelam no ar logo após serem proferidas, onde vendedor de freezer morre de fome, onde paleta mexicana é usada como fósforo. No entanto, conhecemos a Serra Gaúcha e, no quesito frio, nada ficamos a dever aos pinguins e afins acima citados, não é mesmo?
Ontem de manhã acordei me sentindo um legítimo pinguim. Um pinguim enclausurado dentro de um iglu. Um pinguim enclausurado em um iglu bebendo uma cerveja estupidamente gelada, com as mãos dentro de um freezer e os pés calçando paletas mexicanas. Era assim que eu me sentia ontem, madama, tamanho o frio. Sim, o pinguim da história era eu. Os dedos não se mexiam, enregelados, parecendo extremidades pontiagudas de asas (asas de pinguim). Meu andar, a desenvoltura cerceada pela baixa temperatura, assemelhava-se ao tosco e claudicante mover-se dos pinguins, que tão bem conhecemos por assistir aos documentários da tevê a cabo. Minhas ideias aprisionavam-se em um compacto cubo de gelo inderretível, a obstruir o fluxo do pensamento pelo cérebro.

Resultado disso tudo? Ora, encachecolada leitora, emboinado leitor... O resultado dessa configuração climática toda é essa crônica aqui, fria, difícil de ler e de escrever, reveladora de um congelamento inevitável das ideias, fruto das baixas temperaturas que regam essas semanas finais de outono. Pois é, e dizem que o inverno ainda está por vir. Vou procurar minha sunga, a esteira, desenterrar o protetor solar e me mando para a Islândia, onde já aluguei um iglu. Depois divulgo o endereço. Receberei a todos de asas abertas e um chopinho gelado.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 25 de maio de 2016)

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