quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Espelho, espelho meu...

Assisti a um debate televisivo em que um jornalista brasileiro radicado nos Estados Unidos refletia a respeito da estranha capacidade que o povo brasileiro tem de ser tolerante com mazelas que, em outros países, já foram extirpadas há tempos ou, pelo menos, estão subjugadas a rígidos mecanismos de inibição, controle e punição. O brasileiro em geral é tolerante com a corrupção, com os corruptos e com os corruptores. O ponto de quebra da tolerância e da paciência com esse quadro parece não chegar nunca, apesar de, no momento, se estar vivendo um aparente movimento de amadurecimento nesse quesito. Espero que sim.
Além disso, penso eu que o povo brasileiro também se mostra leniente com a subversão das regras do jogo. Estipulam-se pactos, leis, códigos, porém, sucumbimos com facilidade ao apelo (infelizmente irresistível no país) da tentação de ludibriar essas regras. O vício do “jeitinho brasileiro” não tem nada de inocente, pelo contrário. É devido a ele que atropelamos faixas de segurança, desrespeitamos sinais vermelhos, sonegamos impostos, licitamos 100 para construir 90, “erramos” no troco, falsificamos datas de vencimento, furamos filas, trocamos voto por lebre, apoiamos golpes de estado, defendemos censura, clamamos por regimes autoritários, essas barbaridades todas. Somos, em geral, tolerantes com a corrupção e com a subversão das regras.
Por outro lado, detecto que nós, brasileiros (grande parte, não todos), nos mostramos amplamente intolerantes com algumas outras coisas, em especial, com as diferenças humanas. Somos intolerantes com quem é diferente de nós e com quem pensa diferente. A sociedade brasileira apresenta níveis elevados de intolerância em relação a sexo, gênero, opção sexual, nível social, posição política, etnia, nacionalidade, formação, time do coração, pele, raça, cor, ideologia, origem, profissão, religião (ou ausência dela), peso, altura, hábitos, cor de cabelo, crenças, gostos, preferências e assim por diante. Não só não respeitamos quem não pensa e age igual a nós, como nos arvoramos o direito de atacar, odiar, humilhar, ameaçar, ridicularizar (e até a criminalizar) e espinafrar quem é e pensa diferente. Temos medo do que não entendemos e, por isso, atacamos. Como não entendemos quase nada, atacamos sempre, muito e a todos.

O que se tira disso? Não sou sociólogo, tampouco filósofo, assim, só alcanço o que a lógica mais rudimentar me permite: somos altamente intolerantes com o que não se assemelha a nós e altamente tolerantes com aquilo que espelha nossa própria essência. A se pensar.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 1 de setembro de 2016)

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