Assisti a um debate televisivo em que um jornalista
brasileiro radicado nos Estados Unidos refletia a respeito da estranha
capacidade que o povo brasileiro tem de ser tolerante com mazelas que, em
outros países, já foram extirpadas há tempos ou, pelo menos, estão subjugadas a
rígidos mecanismos de inibição, controle e punição. O brasileiro em geral é
tolerante com a corrupção, com os corruptos e com os corruptores. O ponto de
quebra da tolerância e da paciência com esse quadro parece não chegar nunca,
apesar de, no momento, se estar vivendo um aparente movimento de amadurecimento
nesse quesito. Espero que sim.
Além disso, penso eu que o povo brasileiro também se mostra
leniente com a subversão das regras do jogo. Estipulam-se pactos, leis,
códigos, porém, sucumbimos com facilidade ao apelo (infelizmente irresistível
no país) da tentação de ludibriar essas regras. O vício do “jeitinho
brasileiro” não tem nada de inocente, pelo contrário. É devido a ele que
atropelamos faixas de segurança, desrespeitamos sinais vermelhos, sonegamos
impostos, licitamos 100 para construir 90, “erramos” no troco, falsificamos
datas de vencimento, furamos filas, trocamos voto por lebre, apoiamos golpes de
estado, defendemos censura, clamamos por regimes autoritários, essas
barbaridades todas. Somos, em geral, tolerantes com a corrupção e com a
subversão das regras.
Por outro lado, detecto que nós, brasileiros (grande
parte, não todos), nos mostramos amplamente intolerantes com algumas outras
coisas, em especial, com as diferenças humanas. Somos intolerantes com quem é
diferente de nós e com quem pensa diferente. A sociedade brasileira apresenta
níveis elevados de intolerância em relação a sexo, gênero, opção sexual, nível
social, posição política, etnia, nacionalidade, formação, time do coração,
pele, raça, cor, ideologia, origem, profissão, religião (ou ausência dela),
peso, altura, hábitos, cor de cabelo, crenças, gostos, preferências e assim por
diante. Não só não respeitamos quem não pensa e age igual a nós, como nos
arvoramos o direito de atacar, odiar, humilhar, ameaçar, ridicularizar (e até a
criminalizar) e espinafrar quem é e pensa diferente. Temos medo do que não
entendemos e, por isso, atacamos. Como não entendemos quase nada, atacamos
sempre, muito e a todos.
O que se tira disso? Não sou sociólogo, tampouco filósofo,
assim, só alcanço o que a lógica mais rudimentar me permite: somos altamente
intolerantes com o que não se assemelha a nós e altamente tolerantes com aquilo
que espelha nossa própria essência. A se pensar.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 1 de setembro de 2016)
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