As coisas mudam bastante com o passar do tempo, algumas para melhor,
outras, nem tanto. Apenas cem anos atrás (o “apenas” aqui empregado para
induzir uma imagem de passagem rápida dos anos, o que se justifica em se
tratando do ritmo do tempo em relação à História da humanidade, em que um
século frente a milênios é quase irrisório), apenas cem anos atrás, repito, a
poesia, por exemplo, recebia tratamento especial nas páginas de alguns jornais,
onde ela tinha espaço privilegiado. E isso não se dava devido a uma concessão
benemerente por parte dos editores do início do século passado, nada disso.
Isso se dava porque a poesia encontrava eco nas atenções, nos corações e nas
mentes dos leitores daqueles dias, e esse anseio era atendido pela imprensa, via
de regra sintonizada aos apelos de seu público. Hoje, bom, hoje as coisas são bem
diferentes.
Um século atrás, em 1918, Caxias do Sul possuía pelo menos cinco jornais
periódicos em circulação, disputando as atenções dos leitores regionais: “A
Pérola”, Cittá di Caxias”, “Stafetta Rio-Grandense”, “O Brazil” e “O Estímulo”.
Desses, pelo menos três (60% do total) destinavam espaços generosos em suas
páginas para a publicação de poemas, tanto de autores regionais quanto de
poetas reconhecidos em âmbito nacional e internacional. E isso em seções
nobres, como a capa de alguns deles, ou seja, a poesia não era tratada como
“tapa-buraco” ou “calhau” (como se diz na gíria jornalística para designar um
texto usado para suprir algum espaço que tenha ficado sobrando). Em jornais
como “A Pérola”, “O Brazil” e “O Estímulo”, a poesia era tratada como vedete,
como insumo especial e vital a integrar o cardápio periódico de material
impresso a ser fornecido aos leitores, ao lado das notícias tradicionais..
A edição de 23 de março de 1918 (daqui a quatro dias completando exato um
século) do jornal “O Brazil”, por exemplo, trazia na capa, em destaque, um
poema de autoria da poetisa Vivita Cartier (1893 – 1919), então enfurnada em
Criúva para combater, por meio dos ares serranos, a tuberculose que lhe
encerraria a vida no ano seguinte. Intitulado “Matinal” e composto por 15 quadras,
o poema virou um dos mais conhecidos da poetisa, cuja obra permanece até hoje
praticamente inédita, fora meia dúzia de versos publicados em vida em jornais e
revistas de Caxias e Porto Alegre e alguns resgates posteriores por conta de
memorialistas. Eram outros tempos, em que a poesia ocupava o lugar da aridez
das atuais redes sociais repletas de ódio e fel. Haverá poesia nessas saudades de
tempos que não vivi?
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 19 de março de 2018)
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