Por mais que nos cuidemos, por mais que nos policiemos, por mais que
tentemos reger nossos gestos, ações e palavras, jamais estaremos de todo
blindados contra a possibilidade de, quando menos esperamos, cometer uma gafe. A
gafe sempre vem para deslustrar nossa imagem, para fazer ruir por terra o
castelo da convivência graciosa que tão arduamente nos esforçamos em erigir dia
após dia; tijolo por tijolo de sutilezas amalgamados uns sobre os outros, na
tentativa de fundearmos sobre as areias do convívio a sólida pirâmide da
elegância que acaba naufragando de vez nessa mesma areia que se revela, por fim,
ser movediça, ao sabor dos arroubos imprevisíveis do desastre, que sempre está à espreita.
Por mais que estejamos alertas, jamais devemos confiar em nossa pretensa
capacidade de estarmos imunizados contra a gafe. Ela é sutil, traiçoeira, perversa,
astuta, matreira, ferina, impiedosa, cruel e desalmada. E também amoral,
antiética, maligna e desnaturada. E ainda feia e sacana. E má. Muito, muito má.
Ela se aproveita de nossos descuidos e de nossa pasmaceira social para emergir
nos momentos em que estamos relaxados e senhores de nós mesmos e das situações,
para chacoalhar as estruturas de nossas certezas e, tal qual terremoto
psíquico, afundar nossa moral e nossas eminências nos charcos lodosos da
inépcia e da imperícia do convívio. Ah, gafe, gafe... Fosses poética, já haveriam
tecido poemas sobre ti. Mas não o és; recebes, então, apenas o que mereces e
evocas: uma ressentida e condenatória crônica de segunda.
Existem gafes menores, gafes maiores e gafes medianas. Muitos fatores
concorrem para definir a esfera em que se situa uma gafe. O problema é quando
protagonizamos uma grave gafe, situação que classifico como “grafe”. “Deu
parabéns à família do morto, e continuou, inconsciente da gafe cometida”; a
frase, conforme exemplifica o Dicionário Aurélio, configura um genuíno exemplo
de “grafe”. Já a minha pessoa, dia desses, levantando para sair da sala em que
fizera reunião de trabalho em escritório de gentil fornecedor de serviços,
dando uma cotovelada em troféu orgulhosamente conquistado pela empresa,
posicionado no canto do balcão, fazendo-o rolar e esquicalhar-se pelo chão, é
exemplo de uma “grafe” elevada ao “cúmbulo” (o “cúmulo ao cubo”). Não há
desculpas suficientes; não há indenização paliativa; não há saída à francesa
quando a performance foi à ostrogoda. “Grafe” é “grafe”, assume-se a
paternidade e procura-se conviver com o peso do remorso. Grave mesmo seria
adotar a indiferença como paliativo. Meu travesseiro que o diga...
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 12 de março de 2018)
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