segunda-feira, 5 de março de 2018

Saber como achar as joias


Sinceramente, a impressão que eu tenho é a de que, em algum ponto, há algo errado. Pode ser que o erro, no fim das contas, sopesadas todas as hipóteses, seja meu mesmo, e resida no fato de talvez eu não saber direcionar direito as minhas expectativas. Afinal, é aquilo, né: não espere colher melancia se o que você plantou foi abóbora. E também tem aquela outra, a máxima do Barão de Itararé: de onde menos se espera, dali é que não sai nada, mesmo. De qualquer forma, é impossível não detectar o florescer interno daquele arbusto da decepção e da desesperança, quando o assunto é... tchan tchan tchan... a programação da televisão paga!
Vamos aos exemplos, que são a forma mais prática e lúdica de representar a tese que se pretende sustentar. Dia desses, no meio da semana, tirei o olhar da tela do computador, em que desenvolvia um trabalho, e notei que a hora do almoço se aproximava, célere. Junto a essa percepção, invadiu-me a fome, que até então restava ali, domesticadinha, camuflada sob as ramagens da atenção voltada ao labor. Saí do escritório que tenho em casa (meu “home office”, chiquérrimo de mencionar) e rumei para a cozinha, determinado a fazer o almoço. Mas, fazer o que, se na véspera não havia pensado em nada e não deixara nenhum preparo encaminhado? Ora, aí lembrei que, recentemente, estreara na grade da tevê por assinatura um canal exclusivamente dedicado à gastronomia e imaginei que estaria ali a salvação de meu almoço. Bastaria ligar a tevê, sintonizar no dito canal e acompanhar a programação, de onde pescaria alguma ideia salvadora, apta a saciar o ardor famélico que excitava minhas papilas gustativas. Fi-lo, e ralei-me.
Liguei a tevê, sintonizei no dito canal e, em pleno meio-dia, deparo com que espécie de programação sendo exibida aos assinantes? Um leilão de joias! Repito: leilão de joias, ao meio-dia, no canal de gastronomia! O errado só pode ser eu, claro. Pepinamente errado, por esperar deparar com receitas, técnicas culinárias, documentários gastronômicos, no dito canal de gastronomia. Mas não, né! Ao meio-dia, claro, no canal de gastronomia, você vai assistir a um leilão de joias, esperava o quê? Olha, eu bem que tento, mas assim fica difícil não desligar a tevê e ir para a sala ler um livro (e depois dizem que a tevê não incentiva a cultura). É o que tenho feito, há décadas, diariamente, por sinal. Ah, e qual foi a salvação do almoço? Fácil: encontrei-a abrindo um livro de receitas de uma das várias coleções que possuo sobre gastronomia. Todas desprovidas de anúncios de joias...
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 5 de março de 2018)

Nenhum comentário: