“Bem sei que tudo na vida não passa de mentiras, e sei também que é nas
memórias que os homens mentem mais. Quem escreve memórias arruma as coisas de
jeito que o leitor fique fazendo uma alta ideia do escrevedor. Mas para isso
ele não pode dizer a verdade, porque senão o leitor fica vendo que era um homem
igual aos outros. Logo, tem de mentir com muita manha, para dar ideia de que
está falando a verdade pura”. Essas filosofanças profundas e singelas não
provêm da limitada capacidade deste mundano cronista, mas, sim, da genialidade
de Monteiro Lobato, dando voz e vida a uma de suas mais brilhantes criações:
Emília, a boneca de pano do Sítio do Picapau Amarelo.
O texto aqui reproduzido pertence
à abertura do livro “Memórias da Emília”, em que a personagem protagoniza uma
hilária e ao mesmo tempo reflexiva saga ao tentar narrar por escrito (com a
ajuda do Visconde de Sabugosa, por ela empossado na função de seu secretário)
os fatos que marcaram sua existência. “Verdade
é uma espécie de mentira bem pregada, das que ninguém desconfia. Só isso.”,
explica a boneca para uma estupefata Dona Benta. O livro surgiu no ano de 1936,
integrando a saga de aventuras infanto-juvenis da Turma do Sítio, que vem
encantando sucessivas gerações de leitores brasileiros. Lobato morreu em 1948
e, passadas sete décadas, sua obra cai agora em domínio público, permitindo
reedições e adaptações de todas as sortes. O que fica, para sempre, é a magia e
a sutil avaliação das nuances da alma humana, representadas pelos personagens e
pelas tramas das obras, como as reflexões sobre o que é e o que não é a
verdade, evocadas pela Emília no início desta croniqueta de segunda.
Em sintonia com o momento, o
Instituto de Leitura Quindim, daqui de Caxias (situado junto ao Centro Cultural
Moinho da Cascata, Rua Luiz Covolan, 2820), convida o público para visitar a
mostra intitulada “Sra. Dona Emília de
Trapo de Macela”, em que sete artistas plásticos da região revisitam a
personagem a partir de seus talentos. Ilka Filippini, Sharizy Pezzi, Marina
Prochászka, Marina Rombaldi, Matheus Montanari, Volnei Canônica e Rafael
Dambros (que também responde pela curadoria) integram o time que mergulha na
magia do Sítio do Picapau Amarelo para reinventar reinações artísticas ao
agrado de crianças de zero a 99 anos. A mostra abriu na semana passada e segue
até o dia 12 de maio. A visitação é gratuita. Uma experiência criada para ficar
na memória e evocar as verdades mais íntimas de cada um, tanto das de seres de
pano e macela quanto das de carne e osso. Chega lá!
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 15 de abril de 2019)
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