“Mas, homem, entra! Chega mais
perto do balcão. Tá muito frio aí na porta!”. Verdade. Ele tinha razão. A manhã
estava enferruscada, típica outonal da Serra Gaúcha. A cerração baixada como um
manto sobre a cidade desde cedo e avançando manhã adentro, sem sinal de
intenções de arrefecer em espessura. Enxergava-se poucos palmos à frente do
nariz, e o meu é suficientemente avantajado para servir de GPS e antena
protetora frente a obstáculos repentinos como a sombrinha da senhorinha que vem
firme na direção oposta, apontando direto para o centro dos meus óculos. E
frio. As baixas temperaturas já se reapresentando como companhias perenes ao
longo dos próximos meses que nos separam do já ansiado vindouro veraneio. Sim,
melhor entrar e sair do frio. Entrei.
O estabelecimento é antigo,
tradicional e central. A porta dá rente à calçada e o balcão fica a meio passo
da entrada. Debruça-se sobre ele para tirar do bolso o controle remoto do
portão da garagem e se pede ao moço que troque a pilha. Ele então se some lá
para dentro a fim de executar o servicinho que, quando protelado, gera minutos
de raiva na garagem enquanto o portão não obedece ao comando inerte fruto da
pilha fraquinha. Durante a espera, o vento empurra o frio contra as costas e
gera arrepios involuntários que o proprietário do estabelecimento detecta, por
detrás de uma mesa, fazendo então o convite para que eu avance rumo ao calor e
ao aconchego. Saio da porta e entro.
Não satisfeito, o dono aponta
para uma garrafa térmica disposta em um dos cantos do balcão: “vai um chá
quentinho?”. Vai, sim. Aceito o chá. Quentinho mesmo, restaurador, sorvido de
dentro de um copinho plástico. O moço retorna com o controle pilhado. Pago a
ninharia, despeço-me e retorno ao frio e à vida da rua, com a pilha do controle
renovada e a bateria de minha fé na humanidade recarregada. Custou pouco ao
dono da loja ser atento e gentil. Custou o preço de um copinho de chá e de um
convite acolhedor. Investimento mínimo com retorno astronômico, pois ganhou um
cliente para a vida inteira. Jamais trocarei pilha em outro estabelecimento na
cidade que não seja ali, enquanto existirmos eu, o lugar e os controles remotos.
Afinal, sou viciado em bom trato. Faz toda a diferença. Especialmente nesses
dias em que o frio do clima compete com a frieza que regela as almas das
gentes, a despeito da estação vigente no calendário. Acolher ainda é a melhor
estratégia de marketing. O custo pode ser caro ou barato. Depende do quanto
cada um tem acumulado em termos de patrimônio humano para oferecer à clientela.
(Crônica de Marcos Fernando Kirst publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 20 de maio de 2019)
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