segunda-feira, 15 de julho de 2019

Doce paixão à primeira vista


Trata-se, sim, de amor à primeira vista. Apesar da desconfiança pedregosa dos incrédulos e dos portadores de coração cimentado, essa espécie de encantamento súbito existe e pode se manifestar a qualquer momento, derreando os escudos protetores empunhados pelos cerebralistas e redespertando a consciência de que somos humanos, afinal de contas. Não existe proteção capaz de impedir a invasão de sensações que se apoderam do ser quando o encantamento acontece. Corpo e alma acusam os efeitos do súbito sucumbir à paixão e nada resta senão entregar-se a seu usufruto, também de corpo, também de alma.
Para tanto, se faz necessário, por definição, que haja contato visual. Se assim não fosse, o apaixonamento não poderia ser classificado na categoria dos “à primeira vista”, certo? Contato visual direto, ao vivo, sem filtros e sem intermediários. Não basta a observação de uma fotografia do objeto apaixonável. Nada disso. É preciso que se dê o fenômeno do “olho no olho” para que o sistema nervoso seja invadido pela adrenalina do desejo, arrepiando os poros da pele, dilatando as pupilas, acelerando os batimentos cardíacos, provocando sudorese nas palmas das mãos, entreabrindo a boca e incrementando a produção das papilas gustativas. É quando, então, salivamos.
Salivamos desbragadamente, tomados pela paixão e pelo desejo, porque não há como fugir do amor à primeira vista que nos subjuga quando entramos na confeitaria e nosso olhar recai sobre aquela unidade específica de massa folhada fresquinha, o recheio amarelado escorregando pelas laterais, a prenunciar o sabor que explodirá dentro de sua boca dali a instantes, quando a oferenda lhe for conduzida à mesa pela moça que atende no balcão. Você identifica de antemão que a massa, fininha e crocante, foi feita no capricho pela doceira anônima que trabalha incansavelmente nos bastidores, touca na cabeça, na produção de delícias apaixonantes que serão consumidas por hordas de desconhecidos, espalhando prazer e alegria de viver por todos os pontos da cidade. É batata! Você vê, se apaixona, acendem-se as chamas do desejo e você aponta o dedo: “essa ali”. Simples assim. Paixão à primeira vista correspondida, consumada e saciada. Que delícia!
Pena, né, madama, que nem todas as paixões da vida possam ser enquadradas dentro de um naco de massa folhada. A maioria precisa ser trabalhada, cultivada e construída ao longo do tempo, após o gatilho da “primeira vista”. Se assim for, poderão durar bem mais do que a curta sobrevida ofertada por uma massa folhada, por mais deliciosa que ela seja.
(Crônica de Marcos Fernando Kirst publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 15 de julho de 2019)

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