Há coisas que deveriam ser
proibidas. Já que agora estamos vivendo na era do “não pode”, também tenho cá
minhas reivindicações cerceadoras e proibitivas a apresentar à sociedade,
pensando sempre, claro, no meu próprio bem estar e tendo como régua geral a
medida de meu próprio umbigo, a decretar o que é bom e o que é ruim, o certo e
o errado, e ai de quem discorde de mim. Pois então, vamos lá. Primeira coisa a
proibir (ainda não sei se em esfera municipal, estadual, federal ou
interplanetária): a prática de vizinhas fazerem bolo cheiroso de manhã cedo,
infestando os corredores do prédio e os nossos lares com um aroma sedutor proveniente
de uma guloseima cujo usufruto está desde já cerceado ao nosso deleite, uma vez
que não sabemos exatamente de onde vem e não temos relações previamente
estabelecidas com a dita cozinheira, que nos habilitariam a batermos à sua
porta com olhar pidão e implorarmos por um naco.
Sim, porque, assim não dá! Você
está ali, sentado em seu escritório caseiro (“home office”, que fica mais
elegante e como a madama zelosa sempre cuida de me corrigir, pensando no lustro
da imagem profissional deste esmerado cronista de segunda), mergulhado no
trabalho, e, de repente, suas narinas são surpreendidas por aquele aroma de
bolo de chocolate, ou talvez de nozes, quiçá recheado com baunilha e avelãs,
com cobertura de leite condensado e mel, e seus pensamentos embolam, sendo
impossível prosseguir com o raciocínio que lhe permitia escrever os livros para
os clientes, corrigir os originais enviados, detalhar os projetos futuros,
tecer uma crônica de segunda ou postar algo supimpa na internet. Você fica
imobilizado frente ao êxtase que se apossa de todo o seu ser a partir da invasão
daquele bouquet bolístico que evoca recordações relativas a avós e seus
quitutes. Todo o seu corpo palpita, em especial o estômago e a boca, inundada
pelo caudaloso rio de saliva produzida pelas papilas gustativas, acionadas em
função da vigência da lei científica do reflexo condicionado, que diz: bolo
feito, baba solta.
Sim, deveria ser proibido. Se não
por meio de lei regulamentada e sancionada em todas as esferas, ao menos, a
partir de cláusula extra de conduta aprovada em reunião de condomínio. “Fica
proibida a prática do bolo nas dependências do prédio, a menos que
imediatamente ofertado a todos os moradores logo após saído do forno”. Porque,
nesses tempos bicudos, temos de pensar em nós mesmos, né, madama, e a senhora
não me olhe com essa cara de quem acha que ando raciocinando com a barriga,
porque não sou o único!
(Crônica de Marcos Fernando Kirst publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 1 de julho de 2019)
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