segunda-feira, 8 de julho de 2019

Nem no alto do cume!


Nesses tempos pontuados por redes sociais, câmeras de vigilância espalhadas pelas esquinas, aparelhos digitais filmando tudo em todos os lugares a todo o instante, somos obrigados a rever nossos antigos conceitos de privacidade. Estar só, consigo mesmo, em silêncio, tornou-se uma aspiração desafinada com o espírito da época. A maioria parece não se importar com isso, uma vez que, a julgar pelo teor das postagens nas redes sociais, o que a galera quer mesmo é ser vista, notada, curtida. Vivemos um engarrafamento de egos de dimensões planetárias, nunca antes visto ou imaginado na história da humanidade. Somos sete bilhões de super-astros vivendo nossas vidas triviais, sonhando sermos o último biscoito do pacote. Sete bilhões de derradeiros biscoitos acotovelando-se no fundo do pacote da egolatria narcísica, um dos atributos desse 21º século.
Como fugir disso? Ir para a praia, talvez? Já houve época em que rumar ao litoral nas férias de verão consistia em uma excelente opção para quem desejasse dar uma pausa na correria do cotidiano nas cidades e mergulhar numa onda de paz e sossego. Mas isso foi-se há tempos. Ir para a praia nas férias, hoje, significa trocar o acotovelamento do cotidiano do ano todo nas cidades pelo acotovelamento do verão nas praias superlotadas, uma vez que todo mundo tem a mesma ideia que você. Sartre, o escritor e filósofo francês, aquele do cachimbo, detectou que “o inferno são os outros”. Quanto ao inferno, não sei; sei é que o mundo, esse sim, está cada vez mais abarrotado de outros.
Uma alternativa de fuga das multidões seria comprar uma passagem para o Nepal, enfiar uma mochila nas costas, alugar uma picareta, surripiar aquela toca da vovó, arranjar um par de luvas, cravar pregos nas botas e botar-se a escalar o Everest, a montanha mais alta do planeta. Lá em cima, encarapitado no pico do monte, contemplando o céu infinito e a paisagem gelada do Tibete, você enfim poderá relaxar e gozar um precioso instante de reencontro com aquele seu eu que habita o recôndito de sua alma. Não é mesmo? Era, cara pálida! Porque nem mais isso dá para fazer. Notícias recentes, com fotos incríveis, revelam que o Everest anda vivenciando surreais engarrafamentos de alpinistas provenientes de todas as partes do mundo, rumo ao seu cume. Filas e filas de centenas de alpinistas esbarram picaretas nas íngremes trilhas em uma região que já foi considerada entre as mais inóspitas da Terra. Alguém aí sabe que horas parte o próximo voo para Plutão? Hein? Já está lotado? Ah, já sei! Vou me refugiar em uma biblioteca...
(Crônica de Marcos Fernando Kirst publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 8 de julho de 2019)

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