Nesses tempos pontuados por redes
sociais, câmeras de vigilância espalhadas pelas esquinas, aparelhos digitais
filmando tudo em todos os lugares a todo o instante, somos obrigados a rever
nossos antigos conceitos de privacidade. Estar só, consigo mesmo, em silêncio, tornou-se
uma aspiração desafinada com o espírito da época. A maioria parece não se
importar com isso, uma vez que, a julgar pelo teor das postagens nas redes
sociais, o que a galera quer mesmo é ser vista, notada, curtida. Vivemos um
engarrafamento de egos de dimensões planetárias, nunca antes visto ou imaginado
na história da humanidade. Somos sete bilhões de super-astros vivendo nossas
vidas triviais, sonhando sermos o último biscoito do pacote. Sete bilhões de
derradeiros biscoitos acotovelando-se no fundo do pacote da egolatria
narcísica, um dos atributos desse 21º século.
Como fugir disso? Ir para a
praia, talvez? Já houve época em que rumar ao litoral nas férias de verão
consistia em uma excelente opção para quem desejasse dar uma pausa na correria
do cotidiano nas cidades e mergulhar numa onda de paz e sossego. Mas isso
foi-se há tempos. Ir para a praia nas férias, hoje, significa trocar o
acotovelamento do cotidiano do ano todo nas cidades pelo acotovelamento do
verão nas praias superlotadas, uma vez que todo mundo tem a mesma ideia que
você. Sartre, o escritor e filósofo francês, aquele do cachimbo, detectou que
“o inferno são os outros”. Quanto ao inferno, não sei; sei é que o mundo, esse
sim, está cada vez mais abarrotado de outros.
Uma alternativa de fuga das
multidões seria comprar uma passagem para o Nepal, enfiar uma mochila nas
costas, alugar uma picareta, surripiar aquela toca da vovó, arranjar um par de
luvas, cravar pregos nas botas e botar-se a escalar o Everest, a montanha mais
alta do planeta. Lá em cima, encarapitado no pico do monte, contemplando o céu
infinito e a paisagem gelada do Tibete, você enfim poderá relaxar e gozar um precioso
instante de reencontro com aquele seu eu que habita o recôndito de sua alma.
Não é mesmo? Era, cara pálida! Porque nem mais isso dá para fazer. Notícias
recentes, com fotos incríveis, revelam que o Everest anda vivenciando surreais
engarrafamentos de alpinistas provenientes de todas as partes do mundo, rumo ao
seu cume. Filas e filas de centenas de alpinistas esbarram picaretas nas
íngremes trilhas em uma região que já foi considerada entre as mais inóspitas da
Terra. Alguém aí sabe que horas parte o próximo voo para Plutão? Hein? Já está
lotado? Ah, já sei! Vou me refugiar em uma biblioteca...
(Crônica de Marcos Fernando Kirst publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 8 de julho de 2019)
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