É infernal. Ela vem, se instala,
não pede licença e não vai embora. E não há mandinga, inventada ou por
inventar, capaz de enxotá-la. Nem reza, nem promessa, nem oferenda. Nada. É
exasperante. Você salta da cama e a música-chiclete que se instalou em seu cérebro
já está lá, infernizando: a letra, a melodia, o refrão, repetidamente invadindo
as lacunas ociosas de seu cérebro, obrigando-o a cantarolar o tempo todo, mesmo
que não queira. No meu caso mais recente, trata-se de “Chains”, na versão que
os Beatles gravaram em 1962, e que eu inventei de escutar no carro enquanto
dirigia até a praia algumas semanas atrás. Pra quê! Desde então, é o dia todo
aquilo na minha cabeça: “Chains, chains of looooo-ove! Chains of loooooooove!
Chains of lo-o-o-oove”! Inferno! Não sai. Nada exorciza.
Tentando me livrar do pensamento
recorrente-obsessivo, acorri ao santo google. Caí numa página que aborda a
questão das “músicas-chiclete” e de como tirá-las da cabeça. “Estou salvo!”,
pensei. “Vou ler e seguir as dicas”. A primeira consistia em escutar a música
até o fim, porque, segundo estudos científicos, nosso cérebro embirra nisso de
ficar cantarolando porque encara o refrão como uma atividade incompleta, e
nossa agulha cerebral empaca nas ações não concluídas. Tem até nome o problema:
“Efeito Zeigarnik”. Peguei o Cd, botei a rodar e cantei junto a música toda, do
início ao fim, fazendo a primeira voz, o coro e o refrão. “Chains, my baby's
got me locked up in chains...” E lá fui eu, desafinando a pérola Beatle, por
uma boa causa (própria). Não adiantou nada. Pior: agora, sei a letra toda e o
chiclete me pega em partes diferentes da canção.
A segunda dica era mover-me em
ritmo diferente ao da música, para atrapalhar o maldito cérebro e esculhambar a
coisa toda, expulsando o chiclete. Mas não se aplica ao caso. Trata-se de
música dos Beatles, não tem como me mover devagar sendo ela contagiantemente
dançante, e tampouco conseguirei chacoalhar de forma mais alucinada do que aquela
que o rock já propõe. Descartado. Terceira dica: mascar um chiclete enquanto
ouve a música, daí ela não gruda. Fora de questão, pois escutei sem mascar
antes e ela grudou em definitivo. Quarta e última: trocar por outra
música-chiclete. Rechaço essa, pois, se é para ser chiclete, que seja uma
música dos Beatles. Talvez minha psicóloga tenha a solução para o problema. Até
lá, “Chains of loooo-ve! Chains of looooooooooove!”. Fazer o que, se sou imune
ao Efeito Zeigarnik. Felizmente, para mim e para o mundo, minhas ideias fixas
são inofensivamente musicais...
(Crônica de Marcos Fernando Kirst publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 5 de agosto de 2019)
Nenhum comentário:
Postar um comentário