domingo, 1 de agosto de 2010

Desagravo à rabugice

(Na imagem acima, Catilina, à direita, sendo historicamente admoestado
por andar torrando a paciência de Roma inteira)

Esses dias de frio intenso que andam nos atacando neste inverno funcionam como um ótimo gatilho para a reflexão sobre assuntos variados durante o recolhimento aos rocamboles de cobertores e mantas a que nos submetemos no sofá da sala à noite, tiritando. O ato de bater os dentes intermitentemente ativa o cérebro e faz com que os neurônios se coloquem a funcionar por conta própria, surpreendendo-nos com ideias, pensamentos e conclusões sobre assuntos que não imaginávamos estarem transitando livres por dentro de nossas cabeças.
Foi assim que, numa noite siberiana dessas, fui atingido de súbito pela descoberta do motivo que faz com que as pessoas, à medida em que vão envelhecendo, costumem apresentar em comum (salvas as exceções) a característica de ficarem mais ranzinzas, rabugentas e intolerantes do que antes. Descobri que trata-se de um processo lento, gradual, irrestrito, contínuo e silencioso, que vai modificando o temperamento dos seres humanos e decorre de uma causa perfeitamente identificável: acúmulo de convivência com as piores características dos seres humanos.
A pessoa fica ranzinza, rabugenta e impaciente simplesmente porque passou tempo demais testemunhando ao seu redor a falta de educação, o desrespeito, o egoísmo, a truculência, a trapaça, o embrutecimento, as expressões da barbárie, a burrice, a deselegância, a rapinagem, a avidez, a incivilidade, o individualismo, a estupidez, a injustiça, o escárnio, a pilantragem, a violência e complete você mesmo a lista, que eu sei que é capaz. Paciência tem limite, a gente diz e ouve dizer, e esse limite parece que chega ao fim depois de tanto vermos triunfar as injustiças.
Nascemos e somos carregados, na origem, com uma dose determinada de paciência e tolerância a serem consumidas por nossos espíritos durante o transcurso das existências, ao lado de nossos desiguais semelhantes. Mas isso vai sendo consumido à medida em que a barbárie, que teima em não nos abandonar, se manifesta dia após dia, nas pequenas coisas do cotidiano até os fatos mais relevantes. E vamos cansando.
“Quosque tandem, Catilina, abutere patientia nostra?”, perguntava o orador Cícero em latim, mais de dois mil anos atrás, no senado romano, confrontando o conspirador (e colega senador) Catilina, que tramava contra César. Cícero indagava a Catilina até quando ele abusaria da paciência alheia. Nossos contemporâneos, compreensível e autorizadamente rabugentos, desejam saber até quando a paciência deles sofrerá com os abusos da falta de civilidade da maioria das gentes que os cercam. Qual é o momento em que a paciência com os defeitos humanos começa a se esvair? Qual é a dose de paciência que temos para com as mazelas protagonizadas por nossos semelhantes?
Para essas questões, ainda não tenho as respostas. Preciso tiritar mais um pouco...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 30/07/2010)

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