sábado, 21 de agosto de 2010

Juro que vi um vampiro

Engana-se quem pensa que a sedução gerada pelo mito do vampiro é um fenômeno característico do século 21, iniciado com a série de livros e filmes conhecida como “Crepúsculo”, que leva milhões de jovens às salas de cinema e (incrível) às prateleiras das livrarias. O interesse pelo universo dos dentuços remonta a culturas humanas ancestrais e ganha doses de revitalização em épocas distintas, por meios e motivações também distintas, sintonizando-se com a psiquê coletiva da humanidade. Senão, vejamos:
As antigas culturas grega, chinesa, arábica e caucasiana já conheciam as lendas girando em torno de seres que retornavam do mundo dos mortos para atormentar o mundo dos vivos, atacando e sugando suas almas. O conceito de vampiros especificamente sugadores de sangue criou forma mais evidente na Europa cristã a partir do século 12, e, a partir daí, é aquela coisa: quem conta um conto, aumenta um ponto. O conceito dos vampiros e o universo que os cerca vem sendo recriado a cada renovação da onda de interesse pelo assunto. Mas é importante prestar atenção, isso sim, para a mudança dos motivos do encantamento de cada geração pelo tema. Senão, vejamos mais uma vez:
Lá no início, nossos remotos ancestrais perdiam o sono por acreditarem realmente na existência dos mortos-vivos, e o interesse era despertado por um horror e medo genuínos. O advento das eras racionais relegou os chupadores de sangue ao mundo dos mitos retrabalhados pela ficção. Nessa fase, a sedução das massas pelos vampiros decorria do pretenso charme e poder de sedução que os monstrengos emanavam por trás de seus comportamentos duvidosos e egocentrados.
Durante o transcorrer do século 20, a ficção foi retrabalhando o tema, jamais esquecendo os componentes anteriores, mas enfatizando um ponto cada vez mais crucial: o aspecto da imortalidade. Existir durante cinco ou mais séculos, mantendo a juventude e a vitalidade, representa tudo o que nosso inconsciente coletivo deseja nesses tempos modernos de cirurgias plásticas, alimentação saudável e técnicas rejuvenescedoras.
A questão é que, nos dias de hoje, a retomada do interesse pelo vampiro se dá entre a juventude a partir de uma motivação no mínimo preocupante. Mais do que a apologia à imortalidade e aos superpoderes, o que desperta agora a curiosidade pelos mortos-vivos parece ser a liberdade total de ação de que eles desfrutam. Os vampiros retratados pela ficção moderna não vivem meramente à margem da sociedade, mas agem especialmente acima dela, além do bem e do mal.
Eles são seres que fazem o que querem na hora que querem, sem dar satisfações para ninguém, e possuem poderes para escapar ilesos das consequências de seus mais hediondos atos. Vampiros não pagam por seus crimes, seduzem quem bem entendem, eliminam seus desafetos, impõem suas vontades à força de seus poderes, furam as filas, jogam cascas de banana e bitocas de cigarro no chão, desrespeitam as leis de trânsito, bebem e dirigem, passeiam com pittbulls sem focinheira pelos parques, escutam música alto de madrugada, usam os outros para se dar bem etc.
Cuidado, olhe bem à sua volta. O mundo real está cada vez mais povoado por vampiros. Todos eles sugadores da convivência e da civilidade humanas. Até que uma estaca ou que raios de sol os detenham, sempre é bom lembrar...
(Crônica publicada no jornal farroupilhense Informante, em 20/08/2010)

Um comentário:

Nivaldo Pereira disse...

Baita sintonia mesmo, Marcos, essa nossa, da vampiração. E fechamos na questão ética. Não há explicação melhor para a explosão do fenômeno. E viva a velha guarda da terra dos mortos-vivos! Abração