sexta-feira, 10 de setembro de 2010

As azedinhas

(Balinhas são o objeto do desejo de dez entre dez velhinhos iguais a mim)


Tudo é relativo. Quer ver? Leia-me.
Passeava eu, despreocupado, por um empório que comercializa produtos gastronômicos atraentes, quando topei com um artigo que me teletransportou para a minha infância. Manuseei embevecido o potinho transparente que continha as saborosas balinhas de açúcar, azedinhas e coloridas, cortadas como se fossem minitubinhos com as laterais ornamentadas com desenhos das frutas às quais seus artificiais sabores remetem, e me vi criança.
A lembrança dessas balinhas tipo pedregulhos havia se evaporado de minha memória junto com as nuvens que devem guardar inesgotáveis registros de objetos, fatos e sensações que povoaram e moldaram os primeiros anos de minha existência. Não tive dúvidas: capturei uma embalagem daqueles artiguinhos que me catapultavam de volta ao passado e dirigi-me ao caixa, ali pilotado por uma moça de seus vinte e poucos anos de idade, sorridente e simpática.
Tão sorridente e tão simpática que entabulou conversa comigo enquanto o scanner lia a tarja com o código de barras, perguntando-me se aquelas balinhas eram de fato gostosas. “São, sim. Ao menos, pelo que eu me recorde, são. Elas me lembram a minha infância”, respondi, também todo simpático e sorridente. Ao que ela emendou: “Pois é, vários idosos vêm aqui e compram essas balinhas, dizendo a mesma coisa”. E assim foi-se balcão abaixo o sorriso simpático de meus lábios, e pesaram-me as cãs no exato instante em que meu cérebro traduziu as entrelinhas do que a simpática moçoila me dizia, a mim, o idoso a adquirir balinhas pré-históricas.
Cheguei em casa, abri a embalagem e contei todas as balinhas (típica atitude de velhinho): 32 cubinhos recheados de sabores da infância, a serem degustados um a um enquanto recordo os tempos passados e procuro me habituar ao fato de que esse passado já é bem passadinho mesmo. Para mim, foi ontem que o garotinho míope chupava essas balas com o nariz enfiado em livros de Monteiro Lobato. Para a rapariga do empório, esses velhinhos como eu parecem tão simpatiquinhos comprando as balinhas de sua dinossáurica infância... Simpatia e velhice são, de fato, conceitos relativos...


(Crônica publicada no jornal Pioneiro, em 10/09/10)

Um comentário:

Ana Seerig disse...

Bah, dei uma boa olhada no teu blog e tudo que tenho que te dizer é: Ganhastes mais uma leitora! Tuas crônicas são realmente ótimas! Passarei aqui sempre que puder!