terça-feira, 21 de setembro de 2010

Nênia a um poeta e a um contista

Descobri tardiamente a poesia do padre Oscar Bertholdo, assim como tardiamente descubro muito do que há de bom na vida. Hipnotizaram-me os versos soprados à mão dele pela alma que lhe cabia, e comunguei com ele as sensibilidades que deitou pousar no volume batizado “Matrícula”, junto com outros então mancebos poetas que, com o tempo, tiveram chancelado o talento, igual ele.
De quebra, sem esperar, além do doce da poesia, ganhei de presente-surpresa a redescoberta de um pedaço de meu pai.
No ano que antecedeu à morte de meu pai, ele veio à Serra, ansioso por descobrir o resultado de um concurso literário do qual participara na condição de contista, em Farroupilha, o Concurso Regional de Poesias, Contos e Crônicas Oscar Bertholdo, então em sua primeira edição. Havia sido convidado pela comissão organizadora do evento para participar da solenidade de revelação dos vencedores e entrega dos prêmios, e estava confiante e exultante. Na “hora H”, coube-lhe o segundo lugar, um troféu e a frustração por não ter angariado os louros maiores e o prêmio em dinheiro.
Morreu meu pai alguns meses mais tarde e herdei eu o troféu, que ele esquecera a um canto entre seus pertences.
Hoje, ao palmilhar a delicada e profunda imersão que o poeta que empresta nome ao concurso faz na alma por meio de sua poesia, resgato e redimensiono o valor do segundo lugar que a obra de meu pai conquistou. Talvez, se ele tivesse, à época, conhecido o tamanho da arte de Bertholdo, poderia ter deitado um olhar mais carinhoso ao prêmio recebido e à própria arte de sua autoria que o troféu valorizava.
Um valor enobrece o outro e eu, em meio a isso tudo, valorizo minhas lembranças e alimento-as com poesia. Graças a almas como as que moveram homens como eles dois, cujos caminhos só se cruzam agora, nas encruzilhadas póstumas das recordações que trafegam pelos labirintos de minha memória.
PS 1 = Oscar Bertholdo nasceu em Nova Roma em 1935, então pertencente a Antônio Prado, e morreu assassinado, sem poesia, em Farroupilha em 1991. Era padre e poeta.
PS 2 = Meu pai nasceu em Ijuí em 1942 e morreu atropelado, sem poesia, em Ijuí em 2004. Era terapeuta naturista e contista.
PS 3 = Nênia, para facilitar a vida do leitor, é um canto fúnebre em homenagem a pessoas que partiram.
(Crônica publicada no jornal Informante, de Farroupilha, em 17/09/2010)

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