Graças a Deus que nunca fui e jamais serei candidato à Presidência da República nem no Brasil e muito menos nos Estados Unidos. A profundidade desse meu alívio psíquico pode parecer inverossímil para quem pouco me conhece, e, para não passar tão facilmente por megalômano, ponho-me de pronto a me explicar. Esse meu alívio se dá pelo fato de que, se por ventura os caminhos da vida me tivessem conduzido para o universo da política e eu calhasse vir a ser o nome escolhido para defender as ideologias de meu partido na Presidência de República, teria eu a obrigação de não me furtar a comparecer a debates e a entrevistas, situações nas quais ser-me-ia invariavelmente impingida a seguinte pergunta: o senhor acredita em Deus?
Como bem sabemos, a questiúncula já deixou em maus lençóis e de saias curtas candidatos ao cargo máximo da administração pública, entre elas, figuras conhecidíssimas no Brasil (como Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma Roussef) e nos Estados Unidos (Bill Clinton), países que se dizem laicos no discurso oficial mas nos quais os temas religiosos são tão importantes no cotidiano das pessoas quanto nos chamados países teocráticos. Vários materialistas e ateus convictos tiveram de rebolar para fugir da resposta honesta e direta à pergunta (que, no caso de muitos deles, seria um simples “não”, desses que se usa para negar alguma coisa), a fim de evitarem perder uma massa de votos crucial para suas eleições. Desconversaram alguns, mentiram outros, e assim elegeram-se muitos, que souberam driblar a saia justa aparentemente tão prosaica, mas no fundo tão decisiva.
Onde entram eu e minha consciência nisso tudo? Primeiro, repito meu alívio de não ser candidato ao cargo em nenhum desses países, agora que já consegui passar a dimensão da coisa toda. Passo então a explicar o motivo do alívio: porque eu, no caso de ser confrontado em público com o questionamento, simplesmente não saberia o que responder. Minha resposta sincera teria de ser algo do tipo: “esta manhã acordei acreditando um pouco mais do que ontem. Semana passada eu passei não acreditando nadica de nada, e tudo leva a crer que amanhã estarei fervorosamente crendo. Mês passado, no entanto, eu andava ateíssimo que chegava a dar dó”. Dessa maneira, não levaria um voto sequer, creio que nem mesmo o meu.
Isso se dá porque existem no mundo gentes como eu que são habitadas por múltiplas facetas de pensamento, que se alternam e duelam entre si, coabitando harmoniosamente o meu íntimo. Consigo conviver racionalmente com visões muitas vezes antagônicas de mundo, dependendo de meu estado de espírito ou do rumo que andam tomando minhas reflexões. Acho o mundo interessante e impressionante demais para simplesmente descartar por completo certas maneiras de pensar e de encarar a existência. Acho todas elas fascinantes, e aprecio saborear a sensação que cada uma me proporciona, durante certos períodos. Depois me canso e parto para outras. Encarno em mim a metamorfose ambulante sem ter de cantar Raul, e me desobriguei há tempos de escravizar-me a supostas coerências. Sendo assim, que credibilidade teria eu para presidir alguma república, seja ela qual for? Nem mesmo uma de bananas. A muito custo, presido a democracia anárquica de meus pensamentos...
(Crônica publicada no jornal Informante, de Farroupilha, em 28 de outubro de 2011)
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