Eu tenho um sonho. Não exatamente igual ao do líder religioso e social norte-americano Martin Luther King (1929-1968), mas tenho também um sonho e, em minha fé de sonhador, julgo-o concretizável. Enquanto estou desperto, imagino esse meu sonho tão fervorosamente que chego a sonhar de fato com ele quando estou dormindo. Assim, o sonho-esperança que alimento acordado se transforma em sonho-sonhado quando durmo, ambos unindo forças psíquicas na construção do desejo de transformá-lo em parte integrante da realidade.
Meu sonho, esse, é ver, um dia, o livro transformado em objeto de desejo das massas planetárias, a ponto de ser disputado pelas pessoas, e a literatura transformada em obsessão intercontinental da mesma forma como acontece com o rock and roll e com a música sertaneja. Gostaria de viver em uma era em que seria temerário deixar um livro à vista em cima do banco traseiro do veículo quando estacionasse em algum parque e me afastasse, correndo o risco de ver meu carro arrombado e o livro furtado por temerários e destemidos ladrões de cultura. Tudo contra o crime de roubar, nada a favor do roubo de livros, mas tudo a favor do desejo incontrolável de possuí-los e querer lê-los, a ponto de ser arriscado deixá-los à solta, o que, atualmente, não é o que acontece.
Observe a solidão de um pobre livro abandonado em um banco de praça. Quantas horas você imagina que ele ficará ali, jogado ao sabor das intempéries e vulnerável à mira certeira dos pombos, antes que alguém se interesse me recolhê-lo e dar-lhe o abrigo de um lar e o aconchego de um par de olhos que se coloquem a lê-lo? Cruel mundo esse, que não se preocupa um pingo sequer com a orfandade dos livros. Até as baleias já têm quem as defenda e perca por elas o sono. Já os livros, disparam olhares esperançosos por detrás dos vidros das vitrines das livrarias a cada raro transeunte que para e olha, mas mais raros ainda são os que escutam o chamado, entram e adotam um deles, por módicos valores.
Quisera eu viver em um mundo em que uma palestra de um escritor lotasse estádios de futebol com pessoas interessadas em ouvir o que ele tem a dizer, além daquilo que já escreveu e que a tantos encantou por meio do deleite da leitura. Que surgisse uma revista semanal intitulada “Rostos, Folhas de”, esmiuçando a vida pessoal dos escritores para saciar a fome de conhecimento sobre suas interessantíssimas personalidades, as páginas com muitos textos e poucas fotos. Que as tiragens de suas obras fossem contadas às dezenas de milhares e que escritores fossem convidados para protagonizar comerciais de televisão e campanhas beneficentes. Que os escritores virassem celebridades a ponto de serem convidados para participar de reality shows televisivos intitulados “Casa dos Escribas” e ficassem confinados lá dentro meses e meses debatendo literatura e levando a audiência das televisões a estratosféricas alturas.
Mas, como eu disse lá no começo, o que eu tenho é um sonho. Acho que ando lendo demais...
(Publicado na seção "Planeta Livro" da revista Acontece Sul, edição de outubro de 2011)
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