Na infância e adolescência vividas em Ijuí, minha cidade natal, nossa casa situava-se no número 119 da Rua dos Viajantes. O maior viajante da rua – de não mais de 400 metros de extensão –, tenho certeza, era eu, que passava as tardes depois das aulas – e dos respectivos deveres – sentado sob a sombra de uma grande timbaúva que imperava no centro do pátio, lendo. Nesses primeiros destinos a que fui conduzido por minhas incipientes leituras, um dos portos mais significativos em que desembarquei foi no das crônicas de Luis Fernando Verissimo, pelo início dos anos 80 do século passado.
Lá se vão já umas boas dumas três décadas, quando eu vivia aqueles meus 15 anos com o cheiro de carro novo que essas primeiras idades trazem com elas. Certa tarde, cansado de produzir histórias em quadrinhos com canetinhas hidrocor ajoelhado ao lado de minha cama, fui tomado por um impulso de proatividade e corri para a máquina de escrever que eu tinha ali, sempre à minha disposição, sobre a escrivaninha de madeira (sobre a qual repousa hoje o notebook em que elaboro essas crônicas, daqui de Caxias do Sul), e decidi escrever uma carta. Até aí, nenhuma novidade, pois naquela época eu era um missivista dedicado, possuindo uma extensa rede de amigos (numa era pré-facebook) epistolares espalhados por todos os cantos do país, com os quais debatia assuntos diversos. O novo e a ousadia residiam no destinatário a quem, daquela vez, enviaria uma tentativa de contato: Luis Fernando Verissimo, o escritor que eu tanto começava a admirar.
Enfiei o papel na máquina e mandei bala nas teclas, fazendo saltitar a fita bicolor (preto e vermelho) e externando minha admiração pelo autor, revelando que eu acalentava o sonho de um dia me tornar escritor e, na ingenuidade daqueles priscos anos, solicitando dicas que pudessem me auxiliar na condução para o sucesso. Envelopei a missiva, colei os selos com cola Tenaz, caminhei até o centro da cidade e despachei pelo Correio a ousadia endereçada à Editora L&PM, que na época publicava suas obras. Duas semanas depois, a leitura de algum livro de Sherlock Holmes, à qual eu me dedicava em outra mormacenta tarde ijuiense na Rua dos Viajantes, foi interrompida pela chegada do carteiro que, entre o maço de correspondências, me brindava com uma inacreditável resposta de próprio punho escrita por Luis Fernando Verissimo. Baita viagem! E, daquela vez, real!
O cronista gaúcho aniversariou na última segunda-feira, dia 26 de setembro, quando completou 75 anos de idade. Fazendo rápidos e fáceis cálculos, concluí que ele tinha mais ou menos a idade que possuo hoje, quando, 30 anos atrás, roubou pedaços de seu tempo para dar atenção a um fedelho ousado que lhe escrevia pedindo dicas mágicas para virar escritor. Não revelo o conteúdo da carta, que obviamente guardo como relíquia até hoje, juntamente com as outras duas que ele me enviou na época, e das quais certamente não se lembra. Só sei que, em dado momento, quando tocava na questão da fórmula mágica, ele citava a necessidade de obter ingredientes como filtros fumegantes e pêlos de núbias virgens. Meu problema, pensando bem, não foram as viagens a partir da Rua dos Viajantes... foi, isso sim, nunca ter investigado o que eram núbias...
(Crônica publicada no jornal Informante, de Farroupilha, em 30 de setembro de 2011)
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