sábado, 25 de fevereiro de 2012

Ser e estar

Ando descobrindo em mim certas inabilidades pessoais que até então nem imaginava possuir. A cada novo evento a que compareço, certifico-me de que sou uma criatura completamente desprovida de senso de posicionamento espacial social, habilidade fundamental para transitar com desenvoltura em recepções e solenidades que exijam um traquejo que alguns desempenham com naturalidade enquanto outros, como eu, põem-se a derrubar candelabros. É como se eu fosse uma peça de xadrez que ficasse caindo para fora da própria casa e invadindo o quadrado do bispo ou esbarrando na rainha.
Noite dessas fui a um coquetel regado a espumantes em uma galeria onde obras artísticas disputavam espaço e atenções com o desfile de cobiçadas bandejas atopetadas de canapés coloridos. Naturalmente deslocado como sou, colei-me a um canto e pus-me a sondar o ambiente, que lotava com o passar dos minutos e com o secar dos cálices. Não demorou para eu notar que, ali onde me plantara, estava a obstruir a vista de uma das telas expostas, alvo da curiosidade dos presentes que contorciam pescoços em torno de minha silhueta, tentando apreciar a obra que eu ofuscava.
Dei dois passos para o lado para terminar com o incômodo e, em poucos minutos, passei a ser alvo de cotoveladas e bolsadas desferidas por senhoras e raparigas que buscavam acessar a mesinha dos docinhos frente aos quais agora eu me interpunha. Novamente recuei e me pus insipidamente no espaço em branco entre duas telas, imaginando fazer-me, enfim, inócuo, quando percebi estar sendo atentamente observado por entre os óculos de uma senhorinha fincada no meio do salão. Via ela em mim uma escultura (claro que de gosto duvidoso) a ser também analisada entre as obras ali dispostas.
Atravessei o salão a fim de encontrar espaço vital, mas atrapalhei o acesso aos banheiros. Arrastei-me para o lado e dificultei a chegada dos atrasados a partir da escada. Arremeti de volta ao salão e estacionei frente à mesa central onde todos me esbarravam na sanha por capturar as empadas de salmão. A harmonia espacial do ambiente só se recompôs quando providenciei a retirada de minha pessoa dali. Tenho inaptidão para conjugar os verbos ser e estar ao mesmo tempo.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 24 de fevereiro de 2012)

3 comentários:

J.Cataclism disse...

Até aqui, por exemplo, eu pretendia reler a publicação a respeito dos superheróis da semana passada, mas esta atualização não para de meter-se à frente.

Que deselegante...

marcos fernando kirst disse...

Como bem sabemos, meu caro, nos dias de hoje, quem fica olhando os postes passarem é Rubens Barrichello....

J.Cataclism disse...

..é, mas agora ele vai pra Indy, tu vai ver só...

Aliás, ele mostra-nos o melhor exemplo para estas ocasiões sociais: pelo sim, pelo não, fiquemos andando, circulando para lá e para cá; "Séguiréto tôdavída"; Pode não render muita coisa, mas ao menos não atrapalhamos ninguém hehehehe.