terça-feira, 30 de julho de 2013

A sabatina da fome

Sábado, duas horas da tarde. Conduzo o automóvel pelas ruas da cidade, cansado após horas de périplo solucionando demandas. Muita fome. Minha esposa saca o celular e descobre que a Hamburgueria Xis está aberta e, melhor, permanecerá atendendo ininterruptamente o dia inteiro. É para lá que vamos, afinal, muita, muita fome.
Chegamos. Entramos. Escolhemos mesa. Trocamos de mesa. Recebemos os cardápios. Muita, muita, muita fome. Escolhemos o que nos apetece. Chamamos o garçom. Fazemos o pedido. Chegam as bebidas. Esperamos e conversamos. Pouca gente no estabelecimento, afinal, já são duas e meia da tarde de sábado, toda a Caxias do Sul já almoçou, exceto nós, que estamos com muita, muita, muita, muita fome, mais aquele casalzinho que chega depois e senta perto, talvez nem com tanta fome assim.
Conversamos mais um pouco. Ela fala coisas às quais eu procuro dedicar atenção, porém, como estou com muita, muita, muita, muita, muita fome, tenho dificuldades em focar os sentidos na narrativa, já que todos eles se voltam para o vazio que se avoluma em meu estômago. Sempre que sinto muita, muita, muita, muita, muita, muita fome, passa a me assolar uma espécie de transe que só ameniza depois da primeira mordida. E eu estava com muita, muita, muita, muita, muita, muita, muita fome mesmo.
A demora na entrega de nosso pedido, no entanto, não condizia com o escasso movimento na hamburgueria. Os lanches já deveriam ter sido entregues há muito tempo, quando o casalzinho ao nosso lado recebe os deles e se colocam animadamente a devorá-los. “Pronto, esqueceram de nós”, anunciei. Peguei a comanda e fui ao caixa, reclamar da demora. De fato, alguém se atrapalhara no processo e nosso pedido havia ido para as cucuias. Feita a reclamação, não demorou dez minutos para que estivéssemos, enfim, devorando nossos hambúrgueres e saciando a famigerada fome.

Na hora de pagar, a surpresa: não houve jeito, a gerente estava irredutível em sua decisão de não nos cobrar pelos lanches. “Cobrarei somente as bebidas. Afinal, o que atrasou foram os lanches”. Argumentei que erros acontecem, estava disposto a pagar a conta toda, sem problemas. Não teve jeito. Ela estava determinada a se redimir e fidelizar os clientes. Definitivamente, conseguiu. Ela tem a raríssima fome do bom atendimento.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 30 de julho de 2013)

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