segunda-feira, 8 de julho de 2013

A vez em que perdi a linha

Foi em meados da década de 1990, no auge da febre dos bingos, que então pipocavam em todos os salões e cinemas abandonados, antes de esses locais passarem a servir de sede a novas igrejas, como acontece nos dias de hoje. Pois eis que resolvi adentrar certa noite em um desses estabelecimentos para ver qual é que era aquela dos tais de bingo, de que tanto falavam.
Logo me vi em um amplo ambiente, muito iluminado, várias mesinhas ocupadas por pessoas compenetradas em suas cartelas, os ouvidos atentos aos números cantados ao microfone de forma acelerada pelo homem vestido de mordomo lá no fundo do salão, postado ao lado de um enorme globo do qual as bolinhas iam sendo expelidas e exibidas em telões estrategicamente dispostos em diversos pontos nas paredes, para atestar a lisura da coisa toda. Tomei assento e já veio uma moçoila me vender as cartelas que estariam valendo a partir da próxima rodada. Peguei uma caneta hidrocor azul e aproveitei o tempo para estudar as sequências de números que povoavam minhas três cartelinhas da sorte.
Iniciou-se a nova rodada e eu estava dentro. “Oitenta e oito”, ecoava a voz no microfone, e eu corria os olhos e riscava um 88 na cartela do meio. “Três”... três, não tenho... “Dezessete”... 17 nessa, nessa e nessa! Abstraí de tudo em volta até o momento em que completei uma linha horizontal de números e não tive dúvidas. Emocionado, o coração aos pulos subindo à boca, as mãos geladas e a adrenalina amargando a língua, gritei bem alto, erguendo a mão com a caneta azul em riste: “bingo!”. Houve um “ooooh” geral no salão e parou tudo. A mocinha veio, recolheu minha cartela e a entregou ao homem do microfone, para conferir meu feito e providenciar o prêmio. No entanto, passados alguns segundos, ela retornou, sisuda. Devolveu-me a cartela e disse, seca: “Bingo é quando completa toda a cartela. O senhor só fez linha, mas linha já saiu”.

Ou seja: não ganhei nada, perdi a linha e ainda paguei o maior mico frente aos olhares indignados de um grupo de senhorinhas ali ao lado, que por detrás dos óculos bifocais ostentavam ares de exímias experts nos meandros daquelas cantadas. Se alguma vez chegou a existir, teve vida bem curta minha vocação para viciado em jogatina...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 5 de julho de 2013)

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